Jornalista e colunista de Zero Hora, onde foi editora de Cultura, Cláudia Laitano lança neste domingo (17/11) seu terceiro livro de crônicas.
Recado dos Dias (Libretos, 184 páginas, R$ 50 – R$ 45 na Feira do Livro) traz uma seleção de textos publicados entre 2013 e o presente – um “período maluco”, segundo a autora, que incluiu na obra textos sobre temas como as jornadas de 2013, a ascensão da direita, a pandemia e a batalha pela descriminalização do aborto.
– Nesses 10 anos, fomos testemunhas de um redemoinho de eventos históricos, no Brasil e no mundo, inédito para a minha geração – ela afirma. – Retrato dos Dias reflete as primeiras impressões, a quente, de alguns desses eventos.
Na comparação com seus dois livros anteriores (Agora Eu Era, de 2008, e Meus Livros, Meus Filmes e Tudo Mais, de 2012), as crônicas de Recado dos Dias abordam assuntos mais ásperos, da política à saúde pública, como a autora escreve na Apresentação, sem evitar “temas que envelhecem”.
Cláudia participa de bate-papo sobre a obra com a psicanalista Diana Corso, domingo, às 18h, na programação da Feira do Livro de Porto Alegre. Depois, às 19h, ocorre a sessão de autógrafos.
Leia, a seguir, a entrevista concedida pela autora.
Recado dos Dias reúne textos publicados nos últimos 10 anos e é lançado no momento em que completas 20 anos escrevendo crônicas semanais em ZH. Como é olhar para esse tempo vivido a partir do que os textos dizem sobre ele? Que sensações o reencontro com alguns desses momentos te proporcionou?
Esta é a terceira coletânea em 20 anos de colunas – as duas primeiras são Agora Eu Era (Record), de 2008, e Meus Livros, Meus Filmes e Tudo Mais (L&PM), de 2012. A primeira reflete o momento em que eu estava formando uma identidade como cronista, uma voz, pode-se dizer. A segunda é centrada nos textos sobre cultura, a área em que eu atuei nos tempos de redação. A terceira nasceu da vontade de marcar esses 20 anos de percurso com uma coletânea das crônicas publicadas desde 2013, mas à medida que fui recolhendo os textos e selecionando os que eu mais gostava, me dei conta de que havia algo mais ali. Nesses 10 anos, fomos testemunhas de um redemoinho de eventos históricos, no Brasil e no mundo, inédito para a minha geração. Retrato dos Dias reflete as primeiras impressões, a quente, de alguns desses eventos: as jornadas de 2013, a ascensão da direita, a polarização, a pandemia, a batalha pela descriminalização do aborto… Acabou sendo um álbum de recordações históricas, em certo sentido. Ainda que as recordações nem sempre sejam boas, acho importante que fique o registro desse período maluco que, me parece, entra em uma nova etapa com a reeleição de Donald Trump.
Estás morando em Nova York, o que não te impede de escrever sobre o Brasil e também sobre Porto Alegre. Como tem sido ver a cidade e o país (e escrever sobre) "de fora", a partir desse distanciamento?
Já havia morado fora do país, nos anos 1980, mas naquela época era bem diferente. Eu realmente me sentia longe do país, esperando cartas, falando no telefone com a minha mãe uma vez por mês... Hoje é possível estar cá e lá o tempo todo, então me sinto muito perto de Porto Alegre e das pessoas daqui. Quando as notícias são boas é tranquilo. Mas quando os casos de covid começaram a acelerar, em abril de 2021, e agora com a enchente de 2024, foi muito doloroso assistir a todo esse sofrimento a distância. Porto Alegre sempre vai ser o centro do meu mundo, não importa onde eu esteja morando.
Na apresentação, mencionas o atual "ocaso da crônica" clássica, tradicionalmente estabelecida nos veículos de imprensa ("rubem-braguiana", "século-vinteana"), cuja principal razão seria a mudança radical no ecossistema de comunicação. Uma mudança que é tecnológica, pois determinada em parte pelo crescimento do ambiente digital e as transformações das mídias nesse contexto, mas também social, pois se dá em um momento em que as pessoas constroem bolhas nas quais não raramente existem somente opiniões e comportamentos semelhantes – e o diferente é rejeitado inclusive com violência. Como a cronista que viveu essa grande mudança, refletindo sobre ela, vislumbra esse cenário e o futuro a partir dele?
Acho que todas as mudanças no ecossistema da comunicação que a gente acompanhou nos últimos anos impactaram os jornalistas e o jornalismo em forma e conteúdo. Como jornalista, faço parte da geração que viveu um antes e depois na profissão. E me dou conta de que também o ofício do cronista se modificou. A transformação macro, ou seja, a maneira como os jornais escolhem os cronistas e o espaço que dão a eles nos veículos, acabou transformando também o estilo, os assuntos e a linguagem do gênero, de forma geral. No meu caso em particular, tudo isso veio acompanhado das mudanças naturais de interesse e perspectiva que o tempo traz. Adoro aquela frase do David Bowie: "Envelhecer é um processo extraordinário em que você se torna a pessoa que você sempre deveria ter sido". Vale pra vida, vale pro texto. Sobre o futuro, acho que a crônica talvez até mude de nome, mas a essência do gênero, a conversa com o leitor, deve permanecer em qualquer formato ou plataforma que venha a dominar o mundo. Ainda que esses textos pareçam cada vez menos com aquilo que Rubem Braga e Luis Fernando Verissimo, entre tantos outros autores que definiram o gênero crônica no Brasil no século 20, escreviam.