“Depois é nunca”, anunciam os versos marcados na pele da artista plástica Vanessa Marin, de Três de Maio. Acima das veias de Cleanto Amorim, chef de Curitiba, um encorajamento: “Se você não tem coragem de falar, não terá também coragem de viver”. Enquanto no pulso do fotógrafo Paulo Pinto, de Salvador, pulsa o veredicto: “Se a porta não abre, serei a própria porta. A porta aberta para alguém como eu”.
Linhas invisíveis unem esses três estranhos com tantos outros, que encontraram na poesia de Fabrício Carpinejar verdades que mereciam ser eternizadas como tatuagens em seus corpos. Fenômeno que segue uma surpresa para o próprio poeta, que conta ter recebido inúmeras fotos das tatuagens pelos últimos anos:
— Eu fico impactado com a afluência, com o volume de tatuagens. Já daria para fazer uma antologia apenas com elas — brinca Carpinejar.
E não são quaisquer versos que ganham os corações e a pele dos leitores. A maior parte das tatuagens é fruto da poesia em guardanapos proposta pelo escritor, que há anos encontrou no material pouco usual uma tela perfeita para algumas de suas obras-primas. Para ele, trata-se tanto de um desafio, quanto de uma metáfora:
— A folha do guardanapo é fina. Tanto que se você usa uma caneta com ponta muito fina, vai furar. E pensei: "Meu deus, o guardanapo é como a poesia: descartável, é o momento, é o agora, é o presente. E se a gente transformasse o guardanapo em algo definitivo a partir de uma frase?" Ou seja: lutar contra o esquecimento.
Nasceu naquele momento, então, a ideia de criar guardanapos cujo destino não seria jogar fora, mas sim trazer para dentro de si. Um dia efêmeros, os pedaços de papel ganhariam uma longevidade impensável, como quando ilustraram as páginas do livro Liberdade na Vida é Ter um Amor Para se Prender.
— Nunca imaginei que o guardanapo viraria pele. Ou seja, encontraria uma superfície ainda mais indelével. Do descartável ao eterno, foi essa a travessia do guardanapo — reflete o poeta.
Epitáfio em vida
Cicatrizes impostas por vontade própria, como diria Carpinejar, as tatuagens marcam diferentes momentos para cada leitor: uma homenagem a alguém que partiu, o fim de um relacionamento, uma amizade que vingou com o tempo. Para o escritor, elas ainda são uma forma única de particularizar seu corpo, customizá-lo, de guardar uma porção para revelar apenas a quem você quiser.
Veterano no assunto, com nove tatuagens — incluindo um mapa da cidade de Porto Alegre nas costas — Carpinejar conta não ter nenhum verso entre elas, até o momento. O que não quer dizer que não estaria aberto à possibilidade:
— Colocaria uma frase da Maria Carpi e uma frase do Carlos Nejar. Um verso de um e um verso do outro — revela, citando seus pais. Porém, em seguida, completa, rindo: — Só não coloquei até hoje porque eles odeiam tatuagem.
E que mais pessoas encontrem na arte das palavras uma resposta digna o suficiente para levar consigo para o resto da vida, é um alento para Carpinejar:
— Vejo uma esperança quando a literatura se torna carne. Quando alguém espelha sua vida em um livro ou em um pensamento, dá uma esperança. Porque, assim como existe o epitáfio para a morte, existe a tatuagem para a vida.
Com a palavra, os tatuados
Paulo Pinto, de Salvador (BA)
Fiz essa tattoo depois do rompimento do meu casamento e traduzi para minha realidade... "Se a porta não abre, serei a própria porta. A porta aberta para alguém como eu." Minha leitura dessa frase foi: "Se eu não tenho mais o seu amor, eu serei o meu próprio amor, amor para mim, meu amor próprio". É isso. Carpinejar tem as frases mais assertivas, que nos tocam a alma.
Vanessa Marin, de Três de Maio (RS)
Acho que a tatuagem tem um significado muito profundo para quem deseja deixar essa marca visível em si. E externa uma ideia, um sentido de vida, é não se importar mais com a opinião do outro. Tatuar uma mensagem literária é ainda mais significativo, é querer transmitir uma palavra que fez sentido na sua vida, é inspirar o outro. Carpinejar é sempre certeiro em suas mensagens de guardanapos. É conhecedor da alma feminina e traduz ideias universais de relacionamento.
Quando fui me aproximando dos meus 40 anos, comecei a questionar toda a vida, rever meus sonhos, ver o que ficou pendente, o que eu havia deixado para depois e nunca realizado... As coisas começaram a ganhar uma conotação mais imediata, de viver em plenitude. E passei a colocar em prática todos os meus sonhos. As palavras de Carpinejar viraram mantras pra mim e passei a instigar minhas amigas a fazer o mesmo. A frase "depois é nunca" se transformou numa espécie de lema e de atitude diante da vida.
Cleanto Amorim, de Curitiba (PR)
Sempre fui um cara muito tímido. Com o passar do tempo, essa timidez me levou inclusive a guardar para mim muito do que penso e sinto. Isso gerou problemas, inclusive, nos meus relacionamentos, afinal de contas as pessoas com as quais nos relacionamos gostam de ouvir o que pensamos e sentimos. Essa frase do Carpinejar fortaleceu ainda ainda mais esse meu desejo de mudar esse meu lado e marcar ela na minha pele, em um lugar tão visível, faz com que eu pense nisso todas as vezes que quero me calar. Assim eu posso sentir, falar e viver.