Fabrício Carpinejar é uma figura conhecida muito além da literatura. Sua presença colorida e marcante em programas de televisão, sempre acompanhada de um discurso bem-humorado e afetuoso, aproxima o escritor de milhões de brasileiros.
A recente volta do autor à poesia, no entanto, é oposta a sua exposição midiática. Depois de cinco anos sem publicar versos, o retorno é marcado por discrição e despojamento. Seu recém-lançado volume de poemas é um livro austero em termos gráficos: capa preta sem título e sem orelhas. Tampouco há prefácio ou texto de apresentação.
E o despojamento vai além dos limites físicos do livro. Não há sequer material de divulgação para a imprensa, e o autor se nega a dar entrevistas a respeito da obra. Depois de muito insistir, o repórter poderá ouvir no máximo que o poeta quer que “o livro fale por si”.
Como o sobrenome do autor aparece na capa, as lojas virtuais têm oferecido o lançamento sob o título de Carpinejar. Mas seria justo que fosse lembrado pela comunidade de leitores como o Livro Negro, a exemplo do que aconteceu com o disco duplo dos Beatles, lançado em 1968 e conhecido até hoje como Álbum Branco. Isso porque se trata de um coleção de poemas que explora a escuridão.
A obscuridade e a desorientação são marcantes desde os primeiros versos: “No cemitério,/ cuidava para não pisar/ nos mortos dos outros”. Além de morte, há também espaço para a traição e o desamparo na primeira metade do livro. “Judas: o Cristo de Cristo,/ o crucificado do crucificado”, define a certa altura. Mais adiante, vaticina: “As lembranças felizes/ vão me trair um dia”.
Os poemas, no entanto, apresentam a travessia do eu lírico em direção à luz. E é ao rememorar a infância que os versos ganham novos tons. Os animais de estimação, os sapatos da mãe, o pulso sem relógio do pai são algumas das lembranças que afloram ao longo das páginas. As amoras roubadas dos vizinhos e os cachorros do pátio de casa são imagens que trazem colorido e calor para o último terço do livro.
A parte final não contradiz os versos anteriores. A redenção se dá em tons de cinza, no momento em que o personagem aceita o afeto dos que o cercam, mas também suas limitações. “Nenhuma família é confiável,/ mas ainda é a sua melhor opção”, conclui um dos poemas.
A austeridade de Carpinejar, ou sabe-se lá como será chamado, é, na verdade, sua característica mais generosa. A leitura se dá como um jogo em que o leitor encontra o nexo entre um poema e outro. Prefácios e textos de apresentação são norteadores, mas também limitadores. Sem eles, o leitor está livre para montar sua narrativa — e até chamá-la pelo título que achar mais apropriado.
Relançamento
O novo livro serve também como um convite para se aprofundar na poesia de Carpinejar. Aliás, um box acaba de ser editado com a primeira fase poética do autor, abrangendo cinco volumes: As Solas do Sol (1998), Um Terno de Pássaros ao Sul (2000), Terceira Sede (2001), Biografia de uma Árvore (2002) e Cinco Marias (2004).
Ao contrário do novo livro, a caixa tem ampla divulgação — e o escritor topa até dar entrevista sobre o combo:
— O interessante é que, lidos juntos, esses cinco volumes formam uma narrativa única. Então, a edição ficou com cara de romance contemporâneo. Quando escrevi os livros, já havia previsto esse nexo entre eles, mas guardei para falar sobre isso em um segundo momento, que se concretiza agora.