Dennis J. "Denny" O'Neil , roteirista e editor que ajudou a moldar os quadrinhos modernos de super-herói, morreu na última quinta-feira (11), aos 81 anos. De acordo com a revista norte-americana Variety, ele morreu em casa, de causas naturais.
Nascido em 3 de maio de 1939, em San Luis (EUA), O’Neil foi um dos principais responsáveis pela abordagem mais adulta e sombria nas histórias do Batman, na década de 1970. Criou, por exemplo, o vilão Ra's al Ghul, que trouxe à tona assuntos políticos e ecológicos. Também foi editor de Frank Miller na sua antológica fase à frente do Demolidor, da Marvel, e em Batman: Ano Um, outra HQ semanal, mas da DC Comics.
Foi ele que reinventou, na companhia de seu quase xará, o artista Denys Cowan, um herói cult, o Questão, cujas HQs misturavam investigação jornalística, artes marciais e filosofia. E, principalmente, foi ele quem deu vida a um grande clássico dos gibis que não são apenas aventura escapista: a série Lanterna Verde/Arqueiro Verde.
Mesmo lida com os olhos de hoje, a parceria entre O'Neil e o artista Neal Adams ainda se mostra criativa, vigorosa e até contundente. Vejam o exemplo da cena abaixo, que parece atual nestes tempos de caso George Floyd. Imaginem a repercussão na época em que as HQs foram publicadas, entre 1970 e 1972, apenas poucos anos depois de ganhar voz e força o movimento pelos direitos civis dos negros norte-americanos.
Essa cena foi o ponto de partida de uma jornada dos heróis América adentro. Claramente, O'Neil projeta no Lanterna, conservador e fiel defensor da lei e da ordem, o ponto de vista do leitor. Cabe ao Arqueiro, mais urbano, abrir os olhos de Hal Jordan e do público sobre os problemas dos Estados Unidos (quase todos, universais). Mais tarde, Hal Jordan, em uma indústria de combustível pertencente à família de sua namorada, se permitirá uma reflexão: "Essa paisagem é tão linda, e a fábrica, tão feia. É como meu país... Em miniatura!".
O'Neil não se furtou de comentar e de dar a sua opinião sobre diversos temas, dos sócio-econômicos aos ecológicos. Racismo, especulação imobiliária, a questão dos indígenas, o risco da superpopulação (em uma história sobre o planeta Maltus — vejam só: gibi também é cultura), seitas religiosas, a poluição ambiental, o drama das drogas... Esses eram os verdadeiros desafios enfrentados pela dupla esmeralda.
O leitor de hoje pode se incomodar com alguns dos vícios daqueles tempos (por exemplo: o juramento de Hal, "No dia mais claro, na noite mais densa...", aparece em praticamente todas as histórias), e algumas posições de O'Neil podem soar ingênuas (ou mesmo anacrônicas). Além disso, como a tradição de então não era a de estender as tramas ao longo de vários gibis a coisa se encerrava em um só, no máximo, dois —, certas soluções e transformações hão de parecer rápidas demais.
Mas, dando esses descontos, há uma série de virtudes perenes, da estrutura dos roteiros de O'Neil ao célebre dinamismo visual de Adams. A mistura do papo reto de um com o traço clássico do outro rendeu momentos icônicos — a já citada chamada de consciência sobre as cores, a crucificação de um Jesus Cristo ecológico, o discurso de Ricardito sobre a dependência química...
A parceria entre O'Neil e Adams rendeu frutos importantes e longevos, como John Stewart, o quarto Lanterna Verde, mas o primeiro super-herói negro da DC, com as feições inspiradas na do grande ator Sidney Poitier. E o leitor de hoje também poderá identificar a influência de Lanterna Verde/Arqueiro Verde em outras obras marcantes. Parece-me inegável que Alan Moore leu O'Neil para empreender jornada semelhante no arco Gótico Americano, no Monstro do Pântano, e o Sam Wilson de Nick Spencer soa como uma espécie de amálgama de Hal e Ollie.