O título do livro que a autora Alexandra Lopes Cunha lança nesta terça à tarde no Odessa, bar do Bom Fim, é Demorei a Gostar da Elis. A capa, com ilustrações de Thiene Magalhães, remete graficamente à arte do LP Falso Brilhante, lançado por Elis Regina em 1976. E ainda assim, quase não há Elis no livro, apenas umas breves menções nas primeiras páginas. A questão é que isso se ajusta à proposta do romance. Para alguém com a idade dos protagonistas da trama, um casal já avançado na casa dos 40 anos, "demorar a gostar da Elis" é demorar a fazer um balanço de sua própria vida no contexto dos anos 1960, 1970 e 1980, época do trauma da ditadura militar, de mudanças comportamentais e de efervescência cultural da qual fazem parte Elis e várias outras referências citadas na obra. É esse balanço o centro do livro.
Demorei a Gostar da Elis é a estreia em romance de Alexandra Lopes da Cunha, autora de dois volumes anteriores de contos (Amor e outros Desastres, de 2013, e Vermelho-Goiaba, que ganhou o prêmio IEL 60 anos na categoria contos, autor estreante, em 2014) e um de poesias (Bífida, de 2016, em parceria com o fotógrafo Raul Krebs). O romance enfoca alternadamente dois personagens: a fisioterapeuta Libertad e o ilustrador de quadrinhos José Brasil, ou "Brasil", como é mais chamado na narrativa. Ela, filha de um casal de professores universitários (pai apagado, mãe rígida e autoritária). Ele, filho de um militar de alta patente. Ambos trazem em comum as marcas de traumas na juventude. Libertad engravidou na adolescência de um homem mais velho que não quis assumir a responsabilidade. Brasil testemunhou o suicídio do irmão mais velho. Têm cada um seu casamento desfeito e filhos com os quais lutam para estabelecer uma conexão. Foram colegas de escola os dois, mas se reencontram na idade adulta após uma emergência de saúde na família de Brasil – e começam uma relação que de algum modo confunde a ambos, fechados que estão há tanto tempo a qualquer possibilidade emocional.
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O romance acompanha as vidas de seus personagens ao longo de quase meio século, chegando ao ponto em que ambos precisam lidar com inversões marcantes de papéis. Filha rebelde de uma mãe controladora, Libertad intriga-se a se ver tratada pela filha com o mesmo desdém paternalista. Filho caçula atormentado pela culpa de sobrevivente, Brasil precisa encarar a tarefa de ser o responsável por seu pai envelhecido. As tramas individuais mesclam-se aos elementos da cultura que moldaram ambos: músicas, filmes, discos e, no caso de Brasil, quadrinhos.
É um romance que pula dos pontos de vista de Brasil para o de Libertad com desenvoltura, e é bastante eficiente em construir a psique de seus personagens pela forma como se expressam em primeira pessoa, cada um com uma voz cativante e autêntica. Mas, curiosamente, a autora insiste em comprometer parte do conjunto agregando uma narração em terceira pessoa cuja funcionalidade não fica clara ao longo do livro e que dilui a força das vozes autônomas de Libertad e Brasil.
DEMOREI A GOSTAR DA ELIS
De Alexandra Lopes da Cunha
Editora Kazuá, R$ 60. Lançamento terça, às 19h, no Bar Odessa (João Telles, 528). O livro será vendido com desconto de 10% no evento.