É como se ele estivesse aqui. Colunista em ZH e comentarista no Timeline, da Rádio Gaúcha, David Coimbra opina quase diariamente para milhares de pessoas sobre as notícias e o cotidiano do Rio Grande do Sul e do Brasil, e é comum que suas crônicas motivem discussões acaloradas nas redes sociais. Tanta munição para o debate público é disparada, no entanto, do Hemisfério Norte, direto dos EUA, onde o cronista mora há três anos.
– O debate político no Brasil se acirrou e se tornou amargo nos últimos anos. Um erro que muita gente comete é escrever para dar resposta a uma opinião com a qual não concorda ou que o irritou. Muita gente perdeu o rumo por esse motivo. De longe, fico protegido disso. É claro que leio muitas opiniões pelas redes sociais, mas é diferente de ouvir alguém do teu lado falando – diz David, enquanto serve mais uma cuia de chimarrão em Boston, Massachusetts, em entrevista via chamada de vídeo.
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O resultado dessa escrita a distância e protegida do "amargor" local está agora compilado no livro O Que Você Nunca Deve Perguntar a um Americano, seleção de crônicas publicadas entre outubro de 2015 e abril de 2017 que a L&PM Editores acaba de publicar. David escolheu para o volume seus textos mais ligados ao cotidiano.
– Gosto de escrever sobre coisas mais extemporâneas, mais do que opiniar sobre política e temas que alguém que faz a crônica diária acaba tendo que abordar – explica o autor.
Os textos selecionados partem de observações do dia a dia, mas vão além. Depois de se mudar para os EUA, em virtude do tratamento contra um câncer, David passou a oferecer a seus leitores um olhar original sobre o american way of life, comparando-o ao modo de viver dos brasileiros. Piscinas de condomínios que não abrem sem salva-vidas ou a polidez com que é tratado em um supermercado servem de ponto de partida para falar do respeito às leis e da valorização da individualidade pelos cidadãos americanos – e de como esse valores poderiam ser edificantes também para a democracia brasileira.
– EUA e Brasil são muito parecidos. São dois países grandes em território e em população, dois países americanos, descobertos pelos europeus quase ao mesmo tempo, cujos grandes problemas ainda são os reflexos da escravidão. O Brasil também baseou muito seu modelo de democracia no modelo americano. Então tem muitas coisas que dão certo nos EUA que poderiam dar certo no Brasil, e outras que dão errado e que a gente poderia repelir – compara David.
Tratamento em análise
Em raros momentos, o cronista lembra do desafio de enfrentar o câncer, sem pieguice ou autocomiseração, como no texto Pessoas Que Importam, na qual recorda o momento em que contou a amigos que estava doente. Mas o tema deve voltar a ser abordado com mais atenção em breve. O autor está preparando um livro em que conta como sua vida mudou a partir da doença, diagnosticada há cinco anos.
– Muitos médicos disseram para eu escrever sobre isso, porque ajuda outras pessoas. É importante que elas conheçam experiências como essa. Pode ser que traga algo positivo para quem lê – afirma David, que pretende lançar o livro sobre a experiência em 2018.
Também no ano que vem deve sair a continuação de Uma História do Mundo, em que faz um amplo panorama sobre o desenvolvimento da sociedade ocidental.
– Não paro nunca de pesquisar sobre História. É algo que gosto muito de fazer. Me divirto muito escrevendo sobre isso, então é natural que logo saia mais um volume – conta David.
O QUE VOCÊ NUNCA DEVE PERGUNTAR A UM AMERICANO
De David Coimbra
Crônicas, L&PM Editores, 296 páginas, R$ 39.
"Você toca em um americano e é como se ele tivesse recebido uma descarga elétrica. Ele se enrijece e só não protesta, 'não me toca!', porque eles são muito educados. Agora, se você se meter na vida dele, perguntar demais ou invadir seu espaço, o bom humor típico se desmancha e é possível que seja emitida uma advertência clássica:
– Isso não é da sua conta.
Esta censura encontra-se na raiz da cultura americana. Para o americano, nenhum valor está acima da sua liberdade como indivíduo. Para isso os Estados Unidos foram criados pelos chamados Pais da Pátria. Nenhum rei, nenhum ditador, nenhum tirano, nenhum controle do Estado pode ser mais importante do que um único cidadão, se ele estiver cumprindo com suas obrigações. Se ele estiver dentro da lei, ele é o rei de si mesmo.
Esse conceito define a forma de agir do americano e explica muita coisa por aqui."
David Coimbra
Trecho da crônica Por que a eleição de Trump foi justa