Quem está aí? é a pergunta feita por um dos seguranças que protegem o castelo do Rei da Dinamarca na hora da troca da guarda, logo na abertura de Hamlet, uma das mais encenadas peças de Shakespeare. Pode parecer uma frase banal, sem muita pretensão, mas Thiago Lacerda enxerga nela a grande questão da humanidade.
Faz 12 anos que ele mergulhou na obra do maior dramaturgo de todos os tempos. Conduzido por Ron Daniels, diretor associado honorário da Royal Shakespeare Company, já encenou Hamlet (escrita entre 1599 e 1601), Medida por Medida (1603-1604) e Macbeth (1606-1607), todas peças que tratam da ambição humana, da paixão, da culpa e dos limites da ética. Apresentará uma compilação dos monólogos de cada um dos espetáculos na noite desta terça-feira (6), às 20h, no Theatro São Pedro, dentro da programação do Porto Verão Alegre.
Em pouco menos de uma hora, o público o verá interpretando três personagens, cada um de uma vez, somente com seus discursos reflexivos sobre vida e humanidade. A adaptação foi batizada justamente com a pergunta que abre Hamlet, Quem Está Aí?
— É uma pequena ginástica. Cada personagem tem um pequeno arco dramático dentro de si. Angelo, de Medida por Medida, começa de um jeito e termina de outro. Com Hamlet e Macbeth é a mesma coisa. O meu trabalho é contar essa trajetória psicológica, humana, que acontece com cada personagem. É uma delícia, porque os textos são incríveis — diz o ator de 46 anos.
Foi em 2001, graças ao falecido Raul Cortez, que Thiago Lacerda ouvira falar do trabalho do prestigiado Ron Daniels. O veterano colega de Terra Nostra (1999) estava em cartaz com Rei Lear dirigido por Ronaldo Daniel, como também é chamado diretor de teatro nascido no Rio mas vivendo entre a Inglaterra e os Estados Unidos desde a década de 1960, com vasto conhecimento sobre a obra de William Shakespeare.
Só foram se conhecer 10 anos depois, quando Thiago havia finalizado uma temporada de sucesso com a montagem Calígula, dirigida por Gabriel Villela. Desde 2012, a dupla vem engatilhando uma peça de Shakespeare após a outra, o que permitiu ao ator um aprofundamento no retrato atemporal que o dramaturgo fez sobre a condição humana: nunca dual, sempre ambígua.
— Não são personagens trágicos, não são personagens amorosos, não são personagens invejosos. São personagens humanos. Dentro da gente mora a inveja, o medo, a excitação, a coragem, a dignidade. Todos os personagens de Shakespeare acabam oferecendo para a gente essa investigação mais ampla. A gente é uma gama muito grande de coisas, e o mapa humano que Shakespeare desenha nos conta isso. Esse estudo sobre Shakespeare oferece uma outra perspectiva a respeito da vida. A minha maneira de enxergar as pessoas e o mundo foi transformada pela minha experiência com Shakespeare — garante.
A gente é uma gama muito grande de coisas, e o mapa humano que Shakespeare desenha nos conta isso
THIAGO LACERDA
No palco, Ron Daniels acredita que basta o ator e a palavra para que um espetáculo transmita sua mensagem. Por isso, as montagens de Shakespeare feitas pela dupla raramente têm cenário ou figurino rebuscados.
— O que é preciso em cena é o ator e a palavra shakespeariana, o verbo shakespeariano. Sem pirotecnia, sem cenário, sem o show. No nosso caso, o que interessa é a busca pelo humano contido na fábula — assinala o ator.
Existe a intenção de encenar uma outra obra de Shakespeare ainda não explorada pela dupla, a comédia Sonho de Uma Noite de Verão (1595-1596), mas é um projeto descansando na gaveta. Ainda neste ano, eles planejam estrear uma montagem de A Peste (1947), de Albert Camus, clássico da literatura existencialista que Ron começou a ler durante a pandemia de covid-19.
— Encenar Sonho de Uma Noite de Verão seria lindo, mas não sei, não sei. Só faz parte do nosso processo de trabalho. Com Camus, já começamos a trabalhar, e queremos estrear ainda no primeiro semestre. A Peste é um texto urgente, especialmente no momento em que vivemos e ainda vive, já que é uma obra que faz um exercício de questionamento sobre a ascensão do autoritarismo na Europa nos anos 1930. É uma obra importantíssima — diz Thiago.
Quem Está Aí? Monólogos de Shakespeare, por Thiago Lacerda e Ron Daniels
- Terça-feira (6/02), às 20h
- Theatro São Pedro, em Porto Alegre
- Ingressos esgotados
Porto Verão Alegre
Até 8 de fevereiro, com 140 espetáculos em cartaz em Porto Alegre.
Programação e ingressos disponíveis no site do festival.