Depois de ler o livro e acompanhar nas telas a dura trajetória de Celie, chegou a vez de o público porto-alegrense encará-la de frente, no palco do Teatro do Sesi. Ela é a protagonista de A Cor Púrpura, romance lançado por Alice Walker em 1982 que virou filme três anos depois, sob direção de Steven Spielberg, e agora chega em turnê à capital gaúcha pela primeira vez na forma de espetáculo musical para curta temporada nesta sexta (29/4) e no sábado (30/4), às 21h, e no domingo (1º/5), às 18h.
Se na literatura a obra fez de Walker a primeira autora negra a vencer o prêmio Pulitzer e, no cinema, teve 11 indicações ao Oscar — incluindo a primeira de Melhor Atriz da carreira de Whoopi Goldberg, que interpretou Celie —, no teatro a versão brasileira assinada por Artur Xexéo e dirigida por Tadeu Aguiar sobre o roteiro original adaptado por Marsha Norman acumula 75 premiações desde sua estreia, em 2019.
— Uma conquista que não é minha, da atriz ou do ator, mas de todos — destaca o diretor Tadeu Aguiar, que dedica a turnê do espetáculo a Xexéo, melhor amigo e dupla profissional, morto no ano passado em decorrência de um câncer. — Cada vez que assisto a esse espetáculo e vejo o trabalho tão excepcional que ele fez com A Cor Púrpura, penso na falta que esse homem vai fazer no Brasil. Se você vir o texto que está em cena, não parece uma versão. É tão bem feito que parece que a peça foi escrita em português.
As dezenas de honrarias recebidas não foram conquistadas à toa. Grandioso, o musical traz uma megaestrutura formada por dois cenários giratórios de seis metros de diâmetro, um elenco robusto com 17 atores-cantores em cena, 90 figurinos e uma equipe técnica de cerca de 20 profissionais. São três horas de espetáculo, com intervalo de 15 minutos.
Tudo isso para contar à altura a história de Celie, ambientada nos Estados Unidos da primeira metade do século 20, logo após o fim da escravidão. A personagem, vivida no musical por Letícia Soares, é uma jovem negra que tem a vida marcada por violações: abusada sexualmente pelo pai (Jorge Maya) desde a infância, é separada da irmã, Nettie (Merícia Cassiano), e dos dois filhos frutos desta violência para ser "doada" a um marido arranjado, o carrasco Mister, interpretado por Sergio Menezes, que a mantém muito mais na condição de escravizada que de esposa.
— Apesar de esta ser uma história de muita violência, com todos os maus tratos que Celie passa ao longo de toda a vida e as separações que a transformam, é uma história movida pelo amor — pondera a intérprete Letícia Soares.
Porque é só quando aprende a amar a si própria que Celie consegue superar as dores que atravessam sua estrada e começar a traçar novos caminhos para si. Isso se dá a partir do encontro com as personagens Sofia (Erika Affonso) e Shug (Flavia Santana), que a fazem perceber o quão injusto é viver no jugo de tanta violência e impulsionam sua volta por cima.
Atualidade
A partir do arco da protagonista, o espetáculo aborda questões como o racismo, o abuso de poder, as violências contra a mulher e as desigualdades racial, social e de gênero. É o que faz dele, infelizmente, uma crônica também da sociedade atual.
— É triste a gente ver que um texto escrito em 1982, sobre o século passado, ainda faz tanto sentido em 2022. Mas, ao mesmo tempo, sendo este um texto antigo, acho que, mais do que fazer a denúncia, a gente refletindo sobre ele hoje consegue propor transformações. E essa é a função principal do teatro: denunciar a realidade para transformá-la. É no que eu acredito — afirma Letícia.
— Todos nós temos que olhar para essa história como se estivéssemos olhando para aquilo que estamos tentando ultrapassar — completa o diretor.
Além das reflexões intrínsecas ao texto, o espetáculo atravessa o público com uma série de reflexões que ultrapassam o escopo da obra — por exemplo, ao trazer aos holofotes um elenco premiado e formado inteiramente por atrizes e atores negros que, no palco de A Cor Púrpura, reivindicam a oportunidade de interpretar também histórias que não dependam de suas negritudes para serem contadas.
— Você não sai de A Cor Púrpura sem ter ouvido todas as 17 vozes que fazem o espetáculo. No mercado do teatro musical, muitas vezes a gente escuta: "Onde vocês estavam?". A gente estava aí, mas nem sempre tivemos oportunidade. E não estamos aqui para contar só as nossas histórias, somos atores de altíssima qualidade e cabemos em qualquer texto — salienta a protagonista.
Também chama atenção o fato de, segundo o diretor, a maior parte do público ser normalmente formada por pessoas brancas, ainda que esta seja uma história negra. Assim, quem assiste a A Cor Púrpura nota as consequências do racismo não só ao olhar para as cenas montadas no palco, mas também ao virar a cabeça e perceber a desigualdade racial que afeta o acesso à cultura no Brasil sentada na plateia — algo que a produção tenta combater destinando, a cada apresentação, 10% dos ingressos para quem não pode pagar (aqui, foram destinados a alunos das turmas de EJA do Sesi).
É por isso que, de diversas formas, é impossível deixar uma sessão do espetáculo da mesma forma com se entrou.
— Ninguém sai dessa peça, vai comer pizza e não fala sobre ela. A pessoa pode até ir comer pizza, mas ela vai ficar por muito tempo falando sobre esse espetáculo — conclui o diretor.
A Cor Púrpura - O Musical
- Nesta sexta (29/4) e no sábado (30/4), às 21h, e no domingo (1º/5), às 18h, no Teatro do Sesi (Av. Assis Brasil, 8787), em Porto Alegre.
- Ingressos a partir de R$ 75, disponíveis na plataforma Sympla.
- Duração prevista: três horas, com 15 minutos de intervalo.