Um homem e uma mesa. Um texto e uma música. Tremor and More, que será apresentado nesta sexta (15/9) e sábado (16/9), às 19h, no Teatro do Sesc Centro (Av. Alberto Bins, 665), dentro da programação do 24º Porto Alegre Em Cena, faz desses elementos o trampolim para um mergulho profundo na geografia íntima de cada um de nós. Concebido pelo coreógrafo holandês radicado na França Herman Diephuis especialmente para o bailarino brasileiro Jorge Ferreira, o espetáculo solo é estruturado na performance e nas referências musicais e de cenário.
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A trilha é a música Nutbush City Limits. Ouvida na voz de Tina Turner, o rock-soul é um retrato do cotidiano da cidade do condado de Haywood, no Tennessee, local de nascimento da cantora norte-americana. Diephuis traça um paralelo da canção – adaptada para abranger os 30 minutos do espetáculo – com a história de vida de Ferreira. Na letra, memórias da comunidade negra onde ela nasceu e foi criada.
A coreografia ganhou nuanças diferentes conforme o coreógrafo mostrava para Ferreira uma série de imagens icônicas – que iam de fotografias de bandas de rock a telas de artistas – para referência na criação dos movimentos. O que se vê em cena é uma apresentação que encontra eco no teatro físico, em um movimento que explora o que a combinação entre um ator, uma mesa, um texto e uma música é capaz de transmitir.
Entrevista: Herman Diephuis, coreógrafo
Como você e Jorge Ferreira se conheceram?
No ano passado, eu estava fazendo um workshop em Brasília. Nos conhecemos e tive tempo para vê-lo. É um ótimo dançarino, muito técnico. Na sua idade, 22 anos, ele quer explorar muitas coisas, tentar, experimentar. Para ele, é fácil. Jorge tem a capacidade de se transformar. Em Brasília, nós conversamos bastante. Para mim, é muito interessante e um bom ponto para começar quando, nessa idade, você se pergunta: "Quem eu sou?". É claro que, com a experiência de vida, conforme você fica mais velho, isso muda um pouco. Mas essa questão é sempre a mesma.
Alguns jornalistas brasileiros consideraram o espetáculo "difícil". O que pensa disso?
Gostaria de saber se é difícil para alguns jornalistas ou só para parte deles. É difícil para o público ou para alguma parte dele? Eu não senti isso. E há críticas muito boas sobre o espetáculo. Quando nos apresentamos no Rio, no festival Dança em Trânsito, em agosto deste ano, assisti a outras performances mais complicadas, performances brasileiras. Especialmente na dança, as pessoas podem esperar por uma história clara, uma mulher forte, por exemplo, ou um relacionamento entre um homem e uma mulher. Então, Trevor and More é como... Como posso dizer? Mais estranho. Talvez as pessoas vejam como algo louco, mas isso, para mim, é bom. Eu não penso que seja uma performance difícil, mas física, técnica. É verdadeiramente dança, mas talvez aqui as pessoas não vejam isso como dança. Talvez.
Por que decidiu colocar uma mesa em cena?
Eu poderia não colocar uma mesa. Para mim, a mesa se coloca como um recorte, como um ponto de começo para o Jorge e também o final, o lugar para onde ele volta. É também a forma como ele usa essa mesa, como ele coloca o objeto no espaço e como volta a ele de formas diferentes. É como um ponto inicial e final. É um recorte desse espetáculo, uma identidade virtual.
Hoje em dia, parece que não temos mais uma consciência do próprio corpo, do próprio ambiente. Tremor and More busca, de alguma forma, recuperar parte dessa consciência com uma volta ao simples?
Eu não me interesso por movimentos difíceis, imagens difíceis. Eu realmente quero algo não artificial. Na dança, o que vale é a presença do intérprete. Odeio quando o intérprete se esconde atrás da técnica ou se esconde atrás do pensamento de que possui uma boa dança. Eu realmente quero ser conectado com a porção mais simples. Penso que, para comunicar, ser entendido e ter espaço, não é preciso usar artifícios. É a forma como se mexe as coisas. E isso independe de ter cinco minutos de performance ou uma hora. No espetáculo, nada é artificial. É uma música, um texto, uma mesa e uma pessoa, que é o Jorge. E isso é tudo o que nós precisamos.