A arte floresce de todos os lugares, especialmente nas diversas comunidades da Capital. No Morro da Cruz, na Zona Leste, Crystom Oliveira, conhecido como Crystom Afronario, 23 anos, está produzindo um curta-metragem que busca contar, por meio de seus olhos, a realidade que viveu e presenciou ao longo de sua vida enquanto jovem negro.
Nascido e criado no Morro da Cruz, Crystom se envolveu com o audiovisual em 2018, durante o Ensino Médio, quando criou o canal do YouTube Justiça Poética, focado em registros periféricos da comunidade. Ele é bolsista integral pelo ProUni no curso de Realização Audiovisual na Unisinos. Foi durante uma disciplina que a ideia para a produção do curta-metragem surgiu.
O roteiro de Aconteceu à Luz da Lua começou a ser escrito a partir de um exercício em uma disciplina de Roteirização que Crystom cursou em 2023, no segundo semestre. — Eram coisas que eu escrevia, mas não me aprofundava. Aí, em um exercício de escrever algo com que a gente se identificava, eu consegui colocar no papel e enfim, desenvolver a ideia — conta o jovem.
Coincidentemente, na mesma época, em setembro do ano passado, estava em vigor um edital da Lei Paulo Gustavo, uma ação do governo federal via Ministério da Cultura para mitigar os impactos da pandemia no setor cultural. A partir dos editais, obras são selecionadas para serem financiadas.
Referências
Crystom foi aconselhado a se inscrever e acabou sendo selecionado. O momento foi ainda mais marcante, pois, além da seleção e da realização do sonho de produzir seu próprio curta-metragem, o resultado do edital foi publicado no dia 20 de novembro, data em que se comemora o Dia da Consciência Negra, simbolizando ainda mais a conquista que se alinha ao que o jovem deseja contar na obra.
O curta terá 20 minutos e se inspira em muitas produções históricas do audiovisual. A principal referência é o clássico brasileiro Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, que marcou época no início dos anos 2000. Outra inspiração importante foi o filme Os Donos da Rua, do diretor norte-americano John Singleton (1968 – 2019), o primeiro diretor negro a ser indicado ao Oscar, em 1991.
— Ele é um diretor negro que nasceu em um bairro pobre de Los Angeles e que escreveu um longa-metragem para contar a realidade que vivia e pegou artistas locais para a gravação. Esse filme e Cidade de Deus são as duas referências máximas que busquei para fazer este curta-metragem — explica Crystom.
Protagonismo da população negra
A ideia do curta é resgatar no imaginário da população casos de violência policial. Os personagens, interpretados majoritariamente por atores e atrizes negros, são batizados com nomes de pessoas que tiveram suas vidas interrompidas pelo racismo presente na sociedade.
A história foca em dois jovens amigos, moradores do Morro da Cruz: Wellington, 18 anos, o primeiro da família a terminar o Ensino Médio e com o sonho de ingressar na universidade, e William, que deseja ser um artista para mostrar a realidade da periferia a partir do seu próprio olhar artístico. Ambos são inspirados na vida de Crystom - William, inclusive, é interpretado pelo próprio.
Além dos protagonistas, a obra contará com outros nove personagens, cujos atores foram selecionados em uma audição realizada na comunidade do Morro da Cruz. O objetivo é dar uma primeira oportunidade para moradores que desejam seguir no mundo artístico, como conta o jovem:
— A figurinista e a maquiadora, por exemplo, são mulheres negras que nunca trabalharam com cinema. Buscamos dar experiência para elas atrás das câmeras, não apenas na frente delas.
Oportunidade aos moradores
Uma das atrizes é Lariane Cardoso, 35 anos, também moradora do Morro da Cruz. Ela trabalha como educadora infantil desde os 16 anos e é mãe de quatro filhos. Recorda que já atuou em peças religiosas, mas esta é a primeira vez que participa de uma produção com tanta infraestrutura. — Do jeito que foi, com tantas câmeras, equipe, audiovisual envolvido, é a primeira vez, conta.
Ela interpretará a mãe de um dos protagonistas. O nome de sua personagem, Norma, é uma homenagem à avó de Lariane. Para ela, o curta deixa uma sementinha para outros jovens, mostrando que o povo periférico também pode estar em cena como protagonista.
— Para mim, é algo que vai ficar. Meus filhos e netos vão assistir este curta, vai ficar essa história e sempre vamos nos lembrar — comenta Lariane, que resume a experiência como inesquecível:
— Toda a energia das pessoas foi algo muito especial. Tanto o documentário quanto o Crystom são orgulhos para a nossa comunidade.
Lançamento previsto para 2025
As gravações começaram em janeiro deste ano e foram encerradas em abril. Vários locais de Porto Alegre serviram de cenário.
— Gravamos no Morro da Cruz, mas também na UFRGS, no campus de Veterinária, e no (Colégio Estadual) Padre Rambo para uma cena de Ensino Médio — conta o estudante.
A produção é da produtora Justiça Poética (do próprio Crystom), com o apoio do Estúdio Magnólia e coproduzido pela produtora audiovisual Praça de Filmes.
A intenção era lançar o curta ainda em 2024, porém, devido à vontade de inscrever o filme em festivais, o lançamento deve ocorrer em 2025. Um deles é o Festival de Gramado, cujas inscrições encerraram em abril.
— Tínhamos o sonho de lançar ainda este ano, mas queremos aproveitar diversos festivais que só ocorrem no próximo ano. A previsão, então, fica para 2025 — completa Crystom.
*Produção: Murilo Rodrigues