Do Cinema Novo à pornochanchada. Do teatro à televisão. Ao longo de seus 83 anos de vida, o ator gaúcho Paulo Cesar Pereio era constantemente magnético, fosse em cena ou no cotidiano. Não era uma figura que passava incólume — e assim continuará a ser lembrado. Ele morreu no último domingo (12), no Hospital Casa São Bernardo, no Rio de Janeiro, onde estava internado.
De acordo com informações do G1, o ator estava em tratamento de uma doença hepática avançada e foi levado ao hospital durante a madrugada, já em estado grave. Desde 2020, ele vivia no Retiro dos Artistas — Jacarepaguá, zona oeste do Rio, que acolhe artistas sem família ou em dificuldades. Em entrevista, o ator afirmou que recorreu à instituição como uma maneira de sobreviver, mas garantiu não passar por nenhum tipo de penúria.
Nascido no Alegrete, no Rio Grande do Sul, em 1940, ele foi registrado como Paulo César Campos Velho. Adotou Pereio como seu nome artístico.
— Desde que comecei a dar os primeiros passos, tenho esse andar um pouco jogadão para a frente. Eu parecia um preto velho e, por causa disso, me apelidaram de “nego véio”. Minha irmã Rosa (Campos Velho, atriz e ex-diretora do Teatro de Arena de Porto Alegre) me chamava de “Vevéio”. Acabou virando Pereio — explicou em entrevista ao jornal Zero Hora, em 2006.
Tendo começado a atuar aos 16, já na capital gaúcha, Pereio faz parte da geração formada pelo Teatro de Equipe, ao lado de artistas como Paulo José e Lilian Lemmertz. Ao longo das décadas, ele protagonizou peças de teatro como Roda Viva, Esperando Godot e O Analista de Bagé, baseado na obra de Luís Fernando Verissimo.
Foi em Porto Alegre que ele também se notabilizou pela militância política. A pedido do então governador Leonel Brizola, foi um dos responsáveis pelo Hino da Legalidade, composto em 1961, durante a crise que quase impediu o vice-presidente João Goulart de assumir o poder no lugar de Jânio Quadros, que havia renunciado. A letra foi composta por Lara de Lemos e a música foi de Pereio.
Pereio mudou-se para o Rio anos anos 1960. A partir daí, trabalhou com os principais nomes do cinema do país: Ruy Guerra (Os Fuzis), Glauber Rocha (Terra em Transe), Arnaldo Jabor (Eu te Amo), Hugo Carvana (Vai Trabalhar, Vagabundo), entre outros.
Pereio transitou por diferentes momentos do audiovisual brasileiro — Cinema Novo, Pornochanchada, Retomada, Pós-Retomada —, e era um ator versátil: viveu desde protagonista de um drama político em O Bravo Guerreiro (1968) ao caminhoneiro Tião Brasil Grande, em Iracema, Uma Transa Amazônica (1975), sendo até a voz de Deus no clássico trash Inspetor Faustão e o Mallandro (1991). Porém, foram seus papéis de cafajeste que lhe conferiram uma certa aura mítica, especialmente aqueles entre os anos 1970 e 80, que renderam frases inesquecíveis como "Eu te amo, porra", no filme Eu Te Amo (1981).
Em 2010, foi homenageado com o Troféu Oscarito no Festival de Cinema de Gramado, pela relevante contribuição para o cinema brasileiro. No festival, ele também ganhou um kikito de melhor ator em 1985 pelo filme Noite, adaptação do livro de Erico Verissimo, e um melhor ator coadjuvante por As Aventuras Amorosas de um Padeiro (1975).
Também acumulou trabalhos na televisão, como em Roque Santeiro (1985) e, mais recentemente, na série Magnífica 70 (2015-2018), da Max. Foi apresentador do programa Sem Frescura, do Canal Brasil, nos anos 2000.
Pereio foi casado três vezes. Primeiro com a atriz Neila Tavares, como quem teve Lara. Depois teve dois filhos com Cissa Guimarães — Tomás e João. De seu terceiro casamento com Suzana César de Andrade nasceu Gabriel.
No ano passado, estreou o espirituoso documentário Peréio, Eu te Odeio (2023), de Allan Sieber e Tasso Dourado. No filme, o personagem central é constantemente detonado — em vida, ele também se notabilizou pelo comportamento explosivo e visceralmente sincero, sem papas na língua. Ele mesmo admite no longa:
— Não sou mal-educado, eu sou escroto mesmo.
Para Sieber, é impossível falar de Pereio sem humor. Em entrevista à coluna de Ticiano Osório, o diretor do documentário definiu:
— Ele foi um ator muito, muito fora da curva. Uma espécie de Klaus Kinski, Dennis Hopper, Marlon Brando, tudo junto. Ao mesmo tempo ele não representava, não atuava, era ele mesmo no papel, mesmo se fosse um filme de época. Para ser um cara assim e dar certo, ele tem que ser muito bom.