Por André Cauduro D’Angelo
Mestre e bacharel em Administração. Professor da PUCRS
Aqueles que subirem ao palco do Dolby Theatre de Los Angeles, neste domingo (10/3), para receber o Oscar, devem se sentir orgulhosos ou envaidecidos? A etimologia e os dicionários podem não me dar razão, mas os vejo como sentimentos distintos e derivados de causas diferentes. O primeiro, de alcançar realizações com base em talentos pessoais aferidos objetivamente, como aqueles postos à prova em vários esportes individuais. O segundo, do reconhecimento subjetivo de terceiros para o qual podem concorrer fatores alheios à avaliação estrito senso. É o exemplo das premiações artísticas, intelectuais e profissionais em geral.
Além da arbitrariedade intrínseca a qualquer escolha, sabe-se que lobbies, pressões políticas, imposições comerciais, amizades e desafeições formam um caldo de motivos peculiar que, servido sob a forma de um troféu, elege olimpianos, exclui malditos e perpetua certa ilusão meritocrática. Sua diluição em grandes colegiados, como o da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que tem 9,5 mil potenciais eleitores, em tese atenua os vieses inerentes ao processo, mas não os elimina. Parte da tarefa dos produtores é convencer essa gente toda a assistir aos filmes para então habilitar-se a votar, numa campanha de relações públicas que custa de US$ 500 a US$ 1 mil por sufragista.
Ser um votante zeloso não torna a tarefa mais fácil; apenas expõe o cipoal de compromissos, limitações e interesses pessoais envolvido. A começar pela quantidade de obras inscritas, indigerível pelo método tradicional. Convidada a integrar o júri do Globo de Ouro deste ano, uma jornalista brasileira disse que, em dois meses, assistiu a “mais de 50 filmes e outros tantos seriados. Num final de semana, vi seis filmes inteiros” (Fernanda Ezabella, Folha de S. Paulo, 7/1/2024). A mesma profissional revelou que sessões de exibição contavam com “comes e bebes” e permitiam a interação com elencos e diretores, de modo a “trazer um melhor entendimento do trabalho” e uma “simpatia pelo esforço da empreitada”.
O contato pessoal não foi o único influenciador das escolhas. As credenciais de uma produção, como premiações anteriores, presença de nomes conhecidos e repercussão na mídia funcionaram como um filtro – ou sugestionamento? – para que ela própria escolhesse o que assistir: “Minha estratégia (...) foi ver longas premiados em festivais, depois obras de diretores importantes, os trabalhos mais comentados e, finalmente, me jogar no desconhecido”.
Critérios respeitáveis? Claro. Mas a curadoria prévia de outras instâncias de validação não deixa de ser um processo potencialmente cumulativo de preconceitos e idiossincrasias. A soma de parcialidades diversas é menos a objetividade do que a consagração de um imaginário e sua perpetuação.
Concursos menores compartilham algumas das tipicidades acima e adicionam outras, como a de reunir experts para decidir finalistas e vencedores. Toda opinião humana, mesmo a mais pretensamente fundamentada, é insegura e sujeita à influência dos pares e, consequentemente, a habilidades persuasivas. “A melhor coisa para um livro é ter um defensor ‘agressivo’, pois isso constrange quem precisa argumentar contra. O poder retórico para mudar votos é importante no processo”, afirmou Michel Laub, escritor e ex-jurado (Piauí, março de 2018).
Costuma-se repetir que existem manifestações artísticas de mais fácil assimilação, e, portanto, mais inclinadas ao aplauso popular. Por que então não reconhecer que há obras e artistas mais à feição das condecorações, igualmente? E que diante de incontáveis interveniências concorrendo para produzir vencedores e vencidos, por que não admitir que o público leigo vota à sua maneira, sob tantas condicionantes – sociais, culturais e econômicas – quanto os avaliadores das premiações consagradas, ao eleger best-sellers, blockbusters, hits e toda a sorte dos chamados “sucessos comerciais”?
Talvez os que receberem a estatueta neste domingo devessem, mesmo, se sentir gratos e afortunados, pois honrarias mimetizam a vida: méritos são sempre relativos e o acaso é força nada desprezível em qualquer apuração. E se incluir o nome no rol de vencedores funciona como metáfora da imortalidade, é seu poder terapêutico imediato o maior benefício que os contemplados podem auferir.
No início da década de 1950, a carreira musical de Frank Sinatra estava em baixa. Deprimido, ele pediu e levou um papel coadjuvante em A um Passo da Eternidade, com o qual venceu o Oscar de 1954. Assistindo à cerimônia pela televisão, seu psiquiatra vaticinou: “Não o verei mais”. E não viu mesmo.