Por Léo Gerchamann
Jornalista e autor de livros sobre diversidade
Uma das características mais perversas do preconceito, da intolerância e da falta de empatia são o apagamento e a ignorância no sentido radicalmente literal dessa palavra. No seu livro E Fomos Ser Gauche na Vida (Editora Pubblicato, 2020), a jornalista Lelei Teixeira, que tem nanismo, dá uma lição certeira e definitiva. Imagine uma pessoa com nanismo num quarto de hotel onde as maçanetas são redondas e grandes. Por que não pensamos nelas? Eu mesmo nunca tinha me dado conta dessas dificuldades. E não é só isso. As pessoas invisibilizadas sofrem muito.
Se você tem nem que seja um mínimo sentimento de compaixão, entende isso, em tese, naturalmente. Mas, para você sentir com real intensidade e sobretudo para quem escapa por completo a profundidade do conteúdo contido no parágrafo acima, recomenda-se o salutar exercício da empatia, uma equação cujo resultado geralmente é evolutivo. Vista os sapatos do outro! Imagine o que é integrar uma minoria, no sentido numérico ou social. Tente vivenciar suas limitações e condoa-se com seu sofrimento.
A desumanização e invisibilização do outro estão onde você menos imagina, por motivos variados. Pode ser por etnia, cor da pele, capacitismo, homofobia, misoginia, etarismo e outros desprezos pelo diferente. Na projeção de cinema acessível, você vê um menino levar a avó cega ao cinema e ambos chorarem quando ela, já passada dos 70 anos, conta que é sua primeira vez na sétima e mais completa arte (a cena é real, ocorreu na frente deste que aqui vos escreve). Seria pretensioso acrescentar à lista de Ricciotto Canuto o oitavo elemento, da emoção instantânea e empatizante? Pois é. Estamos diante disso. E é belo.
A falta de compreensão frequentemente é estrutural, em todas as suas manifestações. Mas mantenhamos o foco no ponto deste texto, cuja essência é invariável, a de ignorar o alheio. Segue uma sugestão: no dia 23 de março, às 14h, na Cinemateca Paulo Amorim (Rua dos Andradas, 736, Centro Histórico de Porto Alegre), todos, independentemente de terem baixa visão, deficiência auditiva ou outras quaisquer limitações, poderão ir ao cinema juntos ver Aladdin (2019), em atração cultural inclusiva já tradicional por aqui e com crescente aclamação nacional: o Festival de Cinema Acessível na sua versão “kids”. No dia 27 de março, haverá sessões exclusivas para escolas, às 9h e às 14h. Foi em uma das edições desse mesmo festival que ocorreu a cena descrita no parágrafo anterior.
Os filmes, com LIBRAS, audiodescrição e legenda descritiva, podem ser vistos por pessoas com deficiências auditiva, visual, cognitiva e intelectual. As tecnologias são produzidas e apresentadas pelo Som da Luz Estúdios. Com nove anos de existência e já tendo levado 22.303 pessoas ao cinema em cidades gaúchas, catarinenses e de outros Estados, o Festival de Cinema Acessível tem recebido forte reconhecimento nacional, ampliando seu alcance. Foram 118 apresentações em 39 cidades.
O festival é uma oportunidade preciosa e única para quem nunca pôde ir ao cinema. Para pessoas com deficiências auditivas ou visuais, seus amigos, acompanhantes ou familiares, é a chance de viver uma grande experiência, de tentar se colocar no lugar do outro e ter uma vivência extremamente humana e enriquecedora. As pessoas com deficiência costumam definir a experiência como “libertadora”. No caso específico da versão “ficção e aventura”, o evento tem forte cunho educativo ao possibilitar que crianças e jovens, público afeito a esses gêneros, convivam com as diferenças e aprendam a exercitar a empatia.
Em cada sessão, são distribuídas vendas antes de se iniciarem os filmes. Objetivo: proporcionar que aqueles que não têm deficiências possam vivenciar a experiência de assistir a um filme do ponto de vista de uma pessoa com deficiência visual.
As pessoas com algum tipo de deficiência severa são um quarto da população brasileira, conforme o IBGE em 2010. Em números precisos são 45 milhões, ou seja, exatos 23,94% da população brasileira (no Rio Grande do Sul, há aproximadamente 2,5 milhões de pessoas com deficiência, o que equivale a 23,84% da população).
Os filmes apresentados desde 2015 foram O Tempo e o Vento, O Homem que Copiava, Saneamento Básico, Tropa de Elite, Dois Filhos de Francisco, Se Eu Fosse Você, Tropa de Elite 2, O Palhaço, Malévola, Meu Malvado Favorito, Universidade Monstros, Divertida Mente, Frozen – Uma Aventura Congelante, Harry Potter e Avatar. A entrada é gratuita, o que torna o evento, chancelado pela Unesco, ainda mais inclusivo.
Programe-se
Atração do próximo sábado, dia 23, a exibição de Aladdin (2019) com LIBRAS, audiodescrição e legenda descritiva integra a programação do Festival de Cinema Acessível em sua versão “kids”. O filme tem direção de Guy Ritchie e conta, no elenco, com Will Smith, Marwan Kenzari, Navid Negahban, Nasim Pedrad, Billy Magnussen, Naomi Scott e Mena Massoud. O início está marcado para as 14h, na Cinemateca Paulo Amorim (Rua dos Andradas, 736, Centro Histórico), em Porto Alegre. Entrada gratuita.