Em entrevista há cerca de 10 dias à reportagem de GZH, a atriz Léa Garcia, que morreu nesta terça-feira (15), aos 90 anos, falou sobre a valorização das pessoas e das vivências negras no audiovisual e também sobre o “justo reconhecimento” à contribuição das mulheres neste ramo, algo que está sendo visto no 51º Festival de Cinema de Gramado. Esta edição marca a primeira vez em que os troféus de homenagem são entregues exclusivamente a mulheres, dentre elas, Léa.
Pelo conjunto da sua obra, a atriz carioca receberia, ao lado de Laura Cardoso, o Troféu Oscarito, distinção mais antiga e importante da casa. A cerimônia estava marcada para a noite desta terça. Com o falecimento, a assessoria do Festival afirma que, ao invés de um clima festivo, haverá um clima de respeito, com luzes e vozes baixas no evento.
Os filmes programados serão exibidos, mas nenhuma entrega de troféu ou homenagem será feita nesta noite. "O Oscarito de Léa sairá de Gramado junto de sua família", diz a assessoria do festival.
Léa Garcia celebrou a homenagem que receberia
— O Festival de Gramado, nesse ano de 2023, exalta o protagonismo da mulher no audiovisual com o justo reconhecimento de sua atuação como profissional da cultura, em cargos e setores conquistados dentro da cinematografia brasileira. A superação, o desempenho o empreendimento e a qualidade exercida profissionalmente pela mulher conferiram-lhe credibilidade e a efetivação de seus direitos. E essa inclusão atende a uma visão política de um mundo melhor, mais justo e igualitário — disse Léa em sua última entrevista a GZH.
Com mais de cem produções no currículo, a artista se destacou no teatro, no cinema e na televisão. Trabalhou em novelas como Selva de Pedra (1986), Xica da Silva (1996) e O Clone (2001) e brilhou no cinema em montagens como Orfeu Negro (1960), que lhe rendeu indicação ao prêmio de melhor interpretação feminina no Festival de Cannes.
Em Gramado, recebeu quatro prêmios: dois de melhor atriz segundo o júri e o júri popular, com As Filhas do Vento (2005), um de menção honrosa por Hoje Tem Ragu (2008) e um de melhor atriz em curta-metragem por Acalanto (2012). Neste mês de agosto, a veterana planejava receber o Oscarito promovendo debates.
— A homenagem a mim conferida reflete o reconhecimento de uma trajetória artística digna e plena de amor pela arte de representar. Contudo, nesse momento, eu faço uma reflexão. É claro que não podemos assistir cinema apenas como entretenimento, há a necessidade de promovê-lo e debatê-lo em todos os aspectos, mas a minha reflexão é sobre a valorização do olhar negro dentro do audiovisual. Essa reflexão é aflita e interrogativa: como incorporar o negro no processo produtivo da cinematografia do Brasil? Com a presença de cineastas profissionais e pessoas afins — pontuou.
Léa não poupou elogios quando perguntada sobre a sua relação com a cidade da serra gaúcha onde já foi celebrada em diversas ocasiões:
— A cidade de Gramado é linda, organizada e me reporta à Suíça e à Europa. Existe nela um leve sabor agradável de chocolate, complementado com belíssimas vestimentas de inverno à altura do que se propõe o Festival de Gramado. A minha relação com o festival é muito expressiva porque, primeiro, consiste no fato de que a sua realização, além de solidificar as relações entre os cineastas, difunde seus olhares e narrativas com peso cultural e artístico pelo Brasil e pelo exterior. E também existe estreitamento muito forte e emocional e honroso por ter sido agraciada por duas vezes com o prêmio máximo em cinema, que é o Kikito, e um prêmio universitário como melhor atriz. E não poderia ser mais expressivo e mais honroso.