Lá por 2017, Michael Bay se empolgou. O cineasta revelou que havia pelo menos 14 filmes da franquia Transformers para serem desenvolvidos. É muita robozada. Foi além: garantiu que havia muita coisa boa nessas produções vindouras. Talvez ele tenha se equivocado um pouco, se levarmos em conta O Despertar das Feras, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (8).
Na ocasião do anúncio, Bay se despedia da franquia com o enfadonho quinto longa da saga, O Último Cavaleiro — um desperdício de tempo, espaço e dinheiro. Em 2018, saiu o spin-off Bumblebee, que contou com direção de Travis Knight e recebeu boas avaliações.
O Despertar das Feras tem a bênção de Bay, aqui creditado na produção. Desta vez, a direção é de Steven Caple Jr. (responsável por Creed II). Mas o destino-manifesto segue o mesmo das outras seis produções da franquia: um filme de boneco — ações e batalhas mirabolantes, muitas explosões, muitos cenários destruídos, pencas de tirinhos, efeitos visuais em computação gráfica, alguma mensagem sobre amizade e roteiro com pouca profundidade. Subentende-se também que um longa desses impulsione a venda de produtos subsequentes, como quadrinhos e, bem, bonecos.
Não há demérito algum em filme de boneco (Transformers mesmo é uma criação da Hasbro, fabricante de brinquedos): pode entreter e valer a pipoca. Tampouco se espera uma vanguarda cinematográfica de uma produção assim. Basta divertir. Só que aqui as expectativas para o escapismo precisam ser contidas.
O Despertar das Feras se passa antes dos acontecimentos do primeiro filme da franquia, de 2007, e dá sequência a Bumblebee. Ambientado em 1994, o longa bombardeia o público com bastantes referências noventistas na primeira meia hora — é pôster de Power Rangers, é fita K7, é citação a games daquele período, mas também há uma competente trilha sonora amparada no hip hop, trazendo nomes como Nas e Wu-Tang Clan. Talvez o filme exagere um pouco na exposição de elementos da década nesta parte ("Olha, gente, estamos mesmo nos anos 1990, era bem assim!"), enfraquecendo a nostalgia.
O novo Transformers também agrega personagens da série animada Beast Wars, em que os robôs viram animais — com seus maximals e predacons. O filme ainda introduz os terrorcons, uma facção maligna liderada por Scourge (dublado por Peter Dinklage) e que obedece a Unicron (Colman Domingo), um ser colossal devorador de mundos. Eles destruíram o planeta de origem dos maximals, só que alguns sobreviventes se esconderam justamente no refúgio mais requisitado deste universo: a Terra.
Quem também já estava pelo planeta naquela época eram os autobots, liderados por Optimus Prime (Peter Cullen no original, e Guilherme Briggs na dublagem brasileira). Presos na Terra desde a década anterior, eles anseiam em retornar ao Cybertron, planeta natal da galera. Até a estagiária de um museu, Elena (Dominique Fishback), ativa sem querer uma chave trazida pelos maximals, que pode transportar os autobots de volta para casa. Só que isso atrai também Scourge e sua trupe.
Quem protagoniza mesmo O Despertar das Feras é Noah, interpretado pelo ótimo Anthony Ramos (de Hamilton), que segura o filme no carisma. Morador do Brooklyn, o jovem de origem latina serviu ao exército e manja de eletrônica, mas não consegue arranjar um emprego e precisa pagar o tratamento médico de seu irmãozinho. No desespero, ele parte para o crime e tenta roubar um carro, que, vejam só, era o autobot Mirage (Pete Davidson em inglês, e Douglas Silva em português). A partir daí, uma amizade entre humano e máquina se constitui.
As interações entre Noah e Mirage são simpáticas e, consequentemente, um dos pontos altos do filme. E é isso, não há muito encanto no longa. O Despertar das Feras tem ares de Indiana Jones encontra Velozes e Furiosos, mas seus diálogos são precários e de revirar os olhos. É verdade que há um pouco mais de coração do que em outras produções da franquia (especialmente O Último Cavaleiro), méritos de Ramos, porém a narrativa é tão inflada que fica difícil criar empatia pelos personagens — as bestas que seriam despertadas aqui (maximals) quase não impactam a trama. As motivações dos vilões? As mais genéricas possíveis.
Fora os problemas de verossimilhança na ação: tudo bem que as cenas de batalhas são feitas para a gente não pensar muito e só apreciar a trocação, mas, por exemplo, é impossível não pensar no impacto e comoção que causaria uma robozada destruindo Machu Picchu em 1994. O Despertar das Feras falha em sua principal finalidade enquanto filme de boneco: desligar nosso cérebro.
De qualquer maneira, conforme a previsão de Bay, ainda restam 12 filmes da franquia. No final, cria-se um gancho para um possível Vingadores da Hasbro, entrelaçando o universo de Transformers com outras criações da empresa. Vem mais robozada. Contudo, se a saga continuar se enfraquecendo a cada longa, pode ser que aquela expectativa de 2017 não se cumpra.