Joaquim Correia (José Rubens Chachá), um veterano jornalista de uma cidade no interior do Rio Grande do Sul, está investigando uma conspiração que fechou a maior fábrica do local, prejudicando boa parte da população, para que fosse construído um cassino no município, enriquecendo ainda mais os poderosos. Quando este aparece morto, às vésperas do lançamento do livro em que denuncia toda a maracutaia, cabe aos seus filhos, distantes um do outro, investigarem o que está por trás do mistério.
Esta é a trama de Os Bravos Nunca se Calam, longa-metragem de estreia do diretor Márcio Schoenardie, que tem como objetivo entregar uma comédia de investigação, em cima do texto do trio Gabriel Faccini, Tiago Rezende, e Tomás Fleck. E, assim, por 1h45min, o filme vai intercalando o clima melancólico da fictícia Santa Cecília, agravado pelo luto de Joaquim, com situações que buscam transformar a trama em uma comédia de erros, tentando fazer humor a partir do absurdo.
Os incumbidos da missão de descobrir o que houve com Joaquim são os irmãos Manoela (Duda Meneghetti), que segue os passos do pai e estuda jornalismo em Porto Alegre, e Caio (Edu Mendas), gamer e que ainda vive na casa dos progenitores. A dupla, então, passa a circular pela cidadezinha em busca de pistas, encontrando personagens esquisitos e, também, o elo que os une, levando-os a uma reaproximação gradual, mas difícil.
Gravado em 2018, o longa chegou nesta quinta-feira (17) aos cinemas (em Porto Alegre, ele está em cartaz na Cinemateca Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana e no Espaço de Cinema do Bourbon Country) e, de acordo com Schoenardie, a espera inseriu o seu filme em um momento que conversa ainda melhor com a história:
— Tivemos a pandemia e a loucura das fake news, então, acho que o filme está muito conectado com o agora. Também acredito que um filme tem que funcionar atemporalmente, seja agora, em 2022, e em 2032. Ele tem os assuntos humanos, que são os mesmos de 1900. São relações familiares e isso, eu acho, conecta as pessoas.
Capital interiorana
Com um orçamento baixo, de acordo com Schoenardie, realizar Os Bravos Nunca se Calam precisou de inventividade, a começar pelo principal cenário: Santa Cecília, a cidade fictícia onde a trama se passa. Para levar as gravações para outro município, o custo seria muito alto. Por isso, a equipe decidiu que Porto Alegre teria que servir. E serviu. Com a "magia do cinema", não se percebe que, na verdade, toda a trama acontece na Capital.
— A gente usou muitos lugares das zonas Sul e Norte, com ruas que são mais tranquilas e casas mais antigas. Aspectos que davam para a gente montar essa cidade, sobre a qual não demos muitas informações. Ela é meio genérica propositalmente, para que o público acabe criando as referências que tem e se coloque nessa cidade — explica o diretor, acrescentando que chegou a fazer tomadas externas em Nova Santa Rita, apenas para ajuda compor o cenário. — Eu gosto dessa brincadeira do cinema de mentir sobre as coisas.
E, para isso, destaca-se o trabalho de dois profissionais: Alberto La Salvia, responsável pela fotografia, e Martino Piccinini, da direção de arte. Ambos ajudam a construir uma imersão e essa "farsa" de estar em outro lugar, desde a paleta de cores, mais acinzentada, sem as luzes e a vibração de uma cidade grande, até os objetos que compõem as casas e os estabelecimentos de Santa Cecilia — a delegacia, por exemplo, é o retrato de um pequeno município.
Sessão da Tarde
O primeiro longa-metragem de Schoenardie chegou no momento em que ele se considera mais maduro — por estar com quase 50 anos — e experiente, depois de diversos trabalhos com curtas, comerciais e séries, como Rotas do Ódio e Mulher de Fases. Para a sua estreia nas telonas, então, o cineasta foi buscar inspirações em obras que via no passado e, principalmente, no cinema de John Carpenter e Hal Ashby.
— Esse não é aquele filme que eu pretendia fazer quando eu tinha 20 e poucos, 30 anos. Hoje, eu estou muito mais tranquilo com ele assim. Quando a gente é cinéfilo, fica com um arquivo na cabeça meio bagunçado. Então, acho que tem muitas referências. Eu sempre quis fazer um filme de Sessão da Tarde e não acho que o filme vá para muitos festivais. É uma aventura inspirada nas aventuras que eu cresci assistindo, das quais tentei roubar um pouco de cada coisa — conta o cineasta.
E, dentro das limitações para um longa-metragem de baixo orçamento, Os Bravos Nunca se Calam — que também é o nome do livro conspiratório de Joaquim — entrega uma história honesta, abordando o egocentrismo que afasta uma família e, ao mesmo tempo, tem momentos que divertem. Sem pretensões de mudar o cinema, a obra cumpre o seu papel de entreter, sem grandes aprofundamentos. Bem como uma aventura descompromissada da Sessão da Tarde.