Havia a expectativa de que Volodimir Zelensky, presidente da Ucrânia, participasse da abertura do 75º Festival de Cannes, na noite desta terça-feira (17). Houve um "oooohhhh" generalizado no Grand Théâtre Lumière quando a mestre de cerimônia, Virgine Efira, a Benedetta do filme homônimo, anunciou, ao vivo, o que parecia apenas uma possibilidade.
Zelensky entrou ao vivo para lembrar que, em 1939, o que seria o 1º Festival de Cannes foi cancelado porque um ditador — Aldolf Hitler — iniciou uma guerra. No ano seguinte, a guerra chegou ao cinemas, genialmente satirizada por Charles Chaplin. Em O Grande Ditador, ele mostrou um pequeno barbeiro, um sósia tão perfeito que assume o lugar do ditador sem que ninguém perceba. No final, lançava uma mensagem de esperança.
— A esperança é mais do que nunca necessária quando outro ditador (Vladimir Putin, que ele não citou nominalmente) invadiu a Ucrânia e está deixando um rastro de morte. Todo dia morrem centenas de pessoas. O mundo precisa reagir, o cinema — disse Zelensky.
— Precisamos de um novo Chaplin para mostrar que o cinema não fica em silêncio — enfatizou o presidente ucraniano. — O ódio acabará desaparecendo, os ditadores morrerão.
Havia gente chorando na plateia, todos aplaudiram, muitos levantaram-se. Pouco antes, o pianista Vincent Delerm pedira que a plateia o acompanhasse fazendo o coro numa canção de Johnny Halliday, Que je t'aime, o público deveria repetir quatro vezes, enquanto na tela apareciam imagens de beijos.
Forest Whitaker, que recebeu uma Palma de Ouro honorária, foi grandioso dizendo que, mais do que nunca, o cinema deve ser um instrumento do humanismo. Foi aplaudido de pé. A presença, no telão, de Zelensky somou-se a outros gestos de Cannes nessa 75ª edição do festival.
Da seleção do evento, participa Kirill Serebrennikov, com A Mulher de Tchaikovsky. Opositor de Putin, ele foi condenado, num processo considerado fraudado, a ficar confinado em casa. Conseguiu sair e agora está na Alemanha.
De última hora, o festival incluiu na seleção Mariupolis 2. Em 2016, o documentarista Mantas Kvedaravicius havia mostrado em Cannes Mariupolis, sobre a guerra de 2014 na Ucrânia. Em abril, ele voltou à cidade para filmar a nova guerra. Foi morto a tiros por soldados russos, a câmera na mão.
O ator francês Vincent Lindon, presidente do júri neste ano, afirmou que o ambiente terá de ser "digno, respeitoso (...) mesmo que seja apenas como uma homenagem a quem vive dias muito mais complicados do que nós", ao ser questionado se o conflito iria influenciar sua decisão.
Vale ressaltar que nenhum filme ucraniano concorre à Palma de Ouro, mas estão em outras competições paralelas. Na edição deste ano, Tom Cruise subirá as escadas de volta ao papel de piloto em Top Gun: Maverick, o diretor Baz Luhrman revelará sua visão do rei do rock'n'roll com Elvis e David Cronenberg deliciará os fãs do cinema sangrento com Crimes of the Future.
Os 21 filmes selecionados para disputar a Palma de Ouro, que será entregue no dia 28 de maio, são o reflexo de um equilíbrio entre cinema comercial e cinema autoral. São eles:
- Crimes of the future, de David Cronenberg
- Holy Spider, de Ali Abbasi
- Triangle of Sadness, de Ruben Ostlund
- Broker, de Hirokazu Kore-eda
- Decision to leave, de Park Chan-Wook
- Showing up, de Kelly Reichardt
- Boy from Heaven, de Tarik Saleh
- Tchaikovsky's wife, de Kirill Serebrennikov
- Les amandiers, de Valeria Bruni Tedeschi
- Tori et Lokita, de Jean-Pierre e Luc Dardenne
- Armageddon Time, de James Gray
- Nostalgia, de Mario Martone
- Stars at noon, de Claire Denis
- Close, de Lukas Dhont
- Frère et soeur, de Arnaud Desplechin
- RMN, de Cristian Mungiu
- Leila's Brothers, de Saeed Roustaee
- Eo, de Jerzy Skolimowski
- Pacifiction, de Albert Serra
- Un petit frère, de Léonor Seraille
- Le otto Montagne, de Felix Van Groeningen e Charlotte Vandermeersch