Quase cinco anos depois de Assassinato no Expresso do Oriente, chega aos cinemas nacionais o longa Morte no Nilo, nova adaptação da obra de Agatha Christie, novamente dirigida e protagonizada pelo versátil Kenneth Branagh, que está concorrendo ao Oscar por Belfast. Desta vez, porém, a aventura troca o frio pelo calor e os trilhos de trem pelas águas do rio, mas sem deixar de lado o entretenimento fácil que deu certo anteriormente.
Na trama, Hercule Poirot, que está de férias no Egito, é convidado por um amigo para uma festa de casamento de um casal aparentemente perfeito, interpretado por Gal Gadot e Armie Hammer. Quando os convidados sobem a bordo de um barco para festejar no Rio Nilo, um assassinato coloca o famoso detetive para investigar quem, entre os presentes, foi o responsável pelo crime.
E esse é um ponto interessante, uma vez que Poirot, nas histórias de Agatha, entra em ação após o crime ser cometido. Aqui, ele já está envolvido com os personagens e o assassinato em si acontece apenas na metade da história. Provavelmente, foi isso o que fez Branagh escolher Morte no Nilo como a sua segunda empreitada no mundo da escritora britânica: a chance de aprofundar o personagem do detetive — que não teve muito espaço na adaptação anterior.
Felizmente, essa questão de Poirot deu muito certo. O roteiro de Michael Green, que já havia escrito Assassinato no Expresso do Oriente, privilegia, de fato, a história do detetive, inclusive, dando-lhe um flashback muitíssimo bem realizado, que mostra os motivos de ele ter escolhido trilhar pelo caminho da investigação — e, até mesmo, a origem do estiloso bigodão. O personagem também ganha novas camadas em sua personalidade, o que o enriquece e o torna ainda mais interessante.
Recheio
Até Poirot começar a trabalhar de fato, o longa gasta bastante tempo trabalhando a apresentação das paisagens do país africano. E, de fato, o que é mostrado na tela é belíssimo, apostando no clima quente, em contraposição à aventura anterior — ambas, porém, com muita elegância em comum. Essa contemplação acaba perdendo força devido à artificialidade dos cenários abertos. A computação gráfica exagerada, por vezes, pode tirar o espectador da imersão.
Outro ponto que pode atrapalhar a experiência é a falta de cuidado para criar um mistério que seja, de fato, intrigante. Como o assassinato acontece apenas na metade do filme, que é quando Poirot começa a investigar de fato, várias pistas e motivações dos personagens para possivelmente cometer o crime são apresentadas ao público.
Porém, a obviedade das migalhas de pão deixadas no decorrer do caminho, seja por falas muito específicas ou por enquadramentos fechados da câmera, ligando com facilidade um ponto ao outro, estraga a grande revelação no final. Revelações das aventuras da turma do Scooby-Doo, muitas vezes, são mais impactantes. O que vale, neste processo, é Poirot colocando a sua inteligência em ação para decifrar os personagens com precisão. E isso é intensificado com os sentimentos do detetive ganhando a tela, em uma excelente interpretação de Branagh.
Problemas
O longa-metragem, apesar de estar estreando agora, está pronto desde 2019, ano em que deveria chegar às telas do cinema. E, após ser adiado para 2020, a aventura passou a sofrer com a pandemia, que foi empurrando o lançamento mais para frente, por conta das restrições. Como se não bastasse, o elenco do filme também colaborou para que ele fosse lançado somente agora.
No começo de 2021, um dos protagonistas, Armie Hammer, de Me Chame Pelo Seu Nome, envolveu-se em um escândalo, sendo acusado de abuso sexual e, até mesmo, canibalismo. Isso atrasou ainda mais o lançamento da obra, nitidamente, para que o caso esfriasse. Além disso, é possível perceber que o ator só aparece em cena no filme quando o seu personagem é, realmente, essencial para a trama — nesse tempo, o longa deve ter passado por uma nova edição, com a intenção de limar o astro o máximo possível.
Tirando Hammer, outra atriz que está no elenco e está no meio de uma polêmica é Letitia Wright, conhecida por Pantera Negra, que teria se recusado a tomar vacina conta a covid-19 e, até por isso, estaria causando transtornos nas gravações da sequência do filme do herói da Marvel. Vale lembrar que, em Assassinato no Expresso do Oriente, Johnny Depp, acusado de violência doméstica, foi um dos protagonistas.
Parece que, para uma terceira adaptação da obra de Agatha Christie, é melhor Kenneth Branagh encarnar o Hercule Poirot antes das gravações e investigar bem o elenco que ele vai escolher.