Rodado no Vale do Taquari, o documentário Música Para Quando As Luzes Se Apagam estreia nos cinemas nesta quinta-feira (22). O filme aborda o cotidiano de Emelyn Fisher, uma jovem de Lajeado que abre sua vida para uma autora — a atriz Julia Lemmertz.
O filme marca a estreia do escritor e ator Ismael Caneppele na direção de longa-metragem. Como roteirista, ele assinou os filmes Os Famosos e Os Duendes Da Morte (2009) e Verlust (2020), ambos originados a partir de seus livros homônimos e dirigidos por Esmir Filho.
No momento, ele grava a segunda temporada de Desalma na serra gaúcha, enquanto prepara para lançar no segundo semestre um livro que conta a história de Verlust sob outro ponto de vista. Também está nos planos sua segunda incursão como diretor, desta vez com um longa ficcional intitulado Questão de Pele, que será produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre.
Filmado entre 2015 e 2016, o longa circulou pelos festivais a partir de 2017, recebendo o prêmio especial do júri no 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (melhor ator social para Emelyn). Questões com a distribuição e a pandemia atrasaram seu lançamento nos cinemas.
Música Para Quando As Luzes Se Apagam tem origem no primeiro livro homônimo de Caneppele, lançado em 2007. A obra partiu do diário de uma amiga de Lajeado que havia sido queimado. O autor se apropriou das páginas que resistiram à incineração e passou para um arquivo de Word. A partir do material dela, o escritor criou possibilidades de acontecimentos que se uniriam aos fatos reais. Ele também trocou o gênero dela para menino, mas manteve todos os outros personagens exatamente foram descritos originalmente.
Reality show
Alguns anos após o lançamento do livro, Ismael decidiu voltar à cidade do diário para retratar adolescentes vivendo hoje naquela cidade. Sua ideia inicial era dar uma câmera na mão deles, e que o filme fosse realizado a partir das imagens que os jovens captassem, convertendo suas realidades em um longa.
No processo, o diretor conheceu Emelyn e decidiu documentá-la. A ideia passou ser que o filme narrasse os limites entre ficção e realidade, registrando a jovem e filmando as cenas do longa inspiradas no livro. Ao ser questionada quem ela queria viver na ficção, Emelyn respondeu “Bernardo”. No fim, a parte da ficção acabou não sendo realizada.
— O filme é 100% documental. As cenas de locação, onde promoveríamos as vivências, surgiam naturalmente. Por mais que pareça que tenha cenas montadas, tudo nasce desses corpos nesses lugares. A ideia era essa: corpos e paisagens, o que nasce a partir disso. O que nasce naquele momento em frente às câmeras — explica o diretor.
Julia foi escalada para viver a mãe do protagonista na ficção. Porém, no processo Caneppele entendeu que esse não seria o caminho para a atriz. No documentário, ela atua como um alter ego do autor, investigando a vida de Emelyn e trazendo provocações para a jovem. Durante esse processo, tudo era filmado o tempo inteiro, como um reality show.
— Assim que a Julia saiu do aeroporto em Porto Alegre, recebeu microfone e já tinha uma câmera a acompanhando dentro do carro. Quando a Emelyn assistia ao que foi filmado dela, era gravada assistindo. Foi um exercício louco de auto documentação, que se aproxima de um reality, pois não se desliga a câmera jamais — lembra Caneppele.
O diretor estima que foram geradas mais de 600 horas de material bruto, com muitos filmes dentro do mesmo longa, sendo compactados em 70 minutos. Ele e o montador Germano Oliveira desenvolveram o corte durante o processo de filmagem, fazendo a narrativa nascer na ilha de edição.
Contudo, não há antagonismo no filme, o que se revelou como uma dificuldade no processo de estruturação. Emelyn levava a vida com leveza.
— Emelyn não se define como menino trans, apesar de ela ter um estilo que pode causar um preconceito. Era respeitada na escola, a família a aceitava e amava. A nossa grande questão na hora de encontrar um filme era saber onde estaria sua dor. Esse foi nosso grande desafio para não ser algo que fosse só um registro de uma pessoa que está feliz — relata o diretor.
Emelyn e sua família abriram as portas para Caneppele. Em seu processo investigativo, Julia chegou a passar madrugada conversando com a mãe de Emelyn no hospital, onde ela trabalha como enfermeira, e viajou de caminhão com o pai — ambas as cenas não entram no corte final.
— A família se abriu de uma forma muito bonita. Emelyn também, ao topar essa loucura. Imagina você viver nesse contexto e surgir uma pessoa querendo fazer um filme da sua vida, sendo que você não vê a sua vida como um filme. O grande desafio coube à Julia, que conseguiu nesses lugares tanta delicadeza e sensibilidade — destaca Caneppele.