Ambientado em Porto Alegre e trazendo um final surpreendente, Raia 4 chega às plataformas digitais nesta quinta-feira (20) — Now, Google Play, Apple TV, iTunes e YouTube Filmes. O filme é escrito e dirigido por Emiliano Cunha, que faturou três kikitos no Festival de Cinema de Gramado de 2019: júri da crítica, fotografia (assinada por Edu Rabin) e melhor longa-metragem gaúcho.
Raia 4 chegou a alguns cinemas do Rio de Janeiro e de São Paulo no dia 6 de maio. Emiliano ainda cogita exibir o longa em sessões especiais em salas culturais de Porto Alegre quando melhorar a situação da pandemia — ele acredita que a ideal seria a Cinemateca Capitólio. Para o cineasta, o lançamento do filme neste contexto pandêmico e no streaming é uma montanha-russa de emoções.
— Por um lado fico triste, porque é um filme com um apelo plástico e sonoro muito forte. Tem sua potência para a tela grande. Mas também estamos felizes porque está chegando à casa das pessoas — frisa o diretor.
De fato, Raia 4 é um filme sensorial, em que o som e o silêncio são personagens à parte somados às belas imagens captadas — as cenas subaquáticas são, essencialmente, oníricas. Emiliano queria que o som encapsulasse os espectadores, assim como a personagem principal, Amanda (Brídia Moni), se sentia embaixo d'água.
Diretor de curtas como Endotermia (2019) e Tomou Café e Esperou (2013), além da série A Bênção (2020), Emiliano Cunha tem sua estreia na direção de longa com Raia 4. Em seu primeiro filme, o cineasta gaúcho traz um universo que lhe é bastante comum: a natação. De sua infância até o início da vida adulta ele foi nadador, tendo competido pelo Grêmio Náutico Gaúcho.
O primeiro longa de Emiliano é centrado em Amanda, uma atleta que está entrando na adolescência. Quieta, insegura e introspectiva, ela só se solta quando submerge na piscina. Seus pais (Fernanda Chicolet e Rafael Sieg), ambos médicos, são bastante ausentes — há pouco vínculo emocional da parte deles com a jovem.
Amanda convive mais com seus colegas nadadores, embora passe a maior parte do tempo calada e retraída. Nesse ponto, Raia 4 beira a linguagem de documentário observativo, tamanha a naturalidade com que fluem as interações entre os nadadores fora das piscinas. Aliás, o filme mergulha por diferentes gêneros: drama de formação (coming of age), thriller e até terror.
É um período de descobertas para Amanda, em que seu corpo começa a se transformar, ao mesmo tempo em que a natação lhe impõe uma pressão competitiva. Gradativamente, ela se aproxima de sua colega nadadora Priscilla (Kethelen Guadagnini), uma adolescente mais expansiva, segura de si e do próprio corpo. Estabelece-se aqui uma relação dúbia e inquietante entre as duas.
Tanto Brídia quanto Kethelen, as atrizes, são nadadoras. Elas foram selecionadas entre mais de cem jovens atletas. Experiente na natação, o diretor buscava naturalidade nas cenas subaquáticas, que não transparecessem superficialidade.
— Eu tinha uma premissa que era ter um registro próximo do realismo possível. Até por isso fui atrás de atletas de natação de verdade, queria deixar bem impresso na tela — pontua.
Apesar da pouca experiência, o antagonismo oculto de Brídia e Kethelen se sobressai em cena. A protagonista é uma personagem bastante enigmática, que a atriz estreante interpreta com segurança. Amanda fala com os olhos, o que Emiliano descreve como "um olhar muito velado", em que é difícil traduzir o que ela pensa ou sente.
— Foi um trabalho muito legal com a Brídia. É uma guria superafetiva, alegre e brincalhona. Até ela entender o que era a Amanda, nós desenvolvemos muitas coisas. Passei muitos filmes para ela assistir e entender outros olhares possíveis. Brídia realmente entrou nessa personagem, que é muito diferente dela — relata Emiliano.
Raia 4 é um longa que oscila entre momentos contemplativos e de tensões silenciosas. Seu final pode pegar muito espectador no contrapé, até por ir ao encontro do terror psicológico. É um filme para ser assistido agora no streaming e, quando for viável, revisto em uma tela grande de cinema — com a experiência sensorial completa e, sobretudo, uma outra perspectiva para a história.