Marcus Mello
Neste domingo, um dos ícones do nosso cinema completa 80 anos de idade. Luiza Maranhão, protagonista dos clássicos Barravento (1962), O Assalto ao Trem Pagador (1962) e Ganga Zumba (1963), cuja beleza lendária lhe valeu alcunhas como “a Sophia Loren afro-brasileira” ou “a deusa negra do Cinema Novo”, hoje vive na Itália, longe de seu país e de sua cidade natal, Porto Alegre, onde nasceu em 20 de setembro de 1940.
No verbete dedicado à atriz na Enciclopédia do Cinema Brasileiro (Editora Senac, 2000), o pesquisador Hernani Heffner revela que Luiza Maranhão passou a infância em Minas do Butiá, em função da profissão do pai minerador. O retorno para a capital gaúcha aconteceu na adolescência, quando o interesse pela música a leva a se inscrever em concursos de calouros nas rádios locais. Em pouco tempo, a jovem Luiza passa a integrar o elenco de cantoras da então recém inaugurada Rádio Guaíba.
Mas seguramente faltava ar para uma mulher com seu perfil – negra, independente e com ambições artísticas – na conservadora Porto Alegre da década de 50. Logo Luiza partirá para o centro do país, onde atua como modelo, cantora e atriz, participando de programas de televisão e espetáculos de teatro. Durante uma turnê teatral na Bahia, é descoberta pelo produtor Luiz Paulino dos Santos para estrelar Barravento, longa de estreia de Glauber Rocha, rodado no litoral baiano em 1960. Sua presença magnética em cena assombra a todos na equipe, assegurando-lhe um convite para participar de outra produção baiana, A Grande Feira (1961), de Roberto Pires, na qual brilha ao lado do galã Geraldo Del Rey.
A premiação de Barravento no Festival de Karlovy Vary, em 1962, abre as portas para o Cinema Novo na Europa e rende a Luiza elogios do célebre escritor e crítico de cinema italiano Alberto Moravia. A consagração definitiva vem com O Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias, um enorme êxito de público e de crítica, que a coloca na capa da revista O Cruzeiro, ao lado de sua colega de elenco Helena Ignez.
Em 1966, Luiza foi fotografada por Evandro Teixeira no centro do Rio de Janeiro. Em meio aos passantes apressados, eternizada pelas lentes de Teixeira, sua figura assume uma estatura hierática, no sentido mais exato do termo, ligado a algo pertencente ao âmbito do sagrado, do majestoso. Trata-se de um registro único, imagem-síntese da “qualidade de estrela” (para usar uma expressão cara aos críticos de língua inglesa) da atriz gaúcha. Uma combinação rara de beleza, recursos dramáticos e apelo sensual, que posicionou Luiza no mesmo patamar das outras grandes divas do cinema brasileiro na época, Odete Lara, Norma Bengell, Helena Ignez e Leila Diniz.
Com o endurecimento da ditadura militar no final da década de 1960, Luiza Maranhão decide viver na Europa, onde desfila para os estilistas Pierre Cardin e Emilio Pucci. Na Itália, estuda Letras e Filosofia, trabalha na emissora de televisão RAI e casa-se com o produtor musical Mario Centomani. Há muitos anos vive em Roma, onde leva uma vida discreta, longe dos holofotes.
Embora sua filmografia seja relativamente pequena, Luiza mostrou possuir um talento especial para escolher seus projetos, trabalhando com os melhores diretores de sua geração (Glauber Rocha, Carlos Diegues, Leon Hirszman, Roberto Farias). Sua última atuação no cinema foi em Chico Rei (1985), de Walter Lima Jr., filmado em Minas Gerais. Infelizmente, nunca participou de qualquer produção no Rio Grande do Sul. Tampouco teve sua contribuição reconhecida por nosso principal evento cinematográfico, o Festival de Gramado, cuja edição de número 48 começou neste fim de semana. Na ocasião em que a atriz comemora seu 80º aniversário, o Troféu Oscarito mereceria ir para as suas mãos. Afinal, neste 20 de setembro, data oficial de um Estado tão orgulhoso de seus feitos, a trajetória de Luiza Maranhão, uma mulher negra de origem humilde que saiu de Porto Alegre para ganhar o mundo, é uma façanha inigualável, a servir, esta sim, de modelo a toda a terra.
* Pesquisador e crítico de cinema