Ele salta de prédios, pilota aviões e não abre mão de se colocar em risco em nome de uma boa cena de ação: Tom Cruise, 58 anos, já se tornou uma lenda em Hollywood graças à sua ética de trabalho e pequeno instinto de autopreservação. Agora, ele está disposto a ser o primeiro astro a estrelar um filme direto do espaço. Mas será essa uma missão possível?
Os rumores de um filme do tipo começaram a circular ainda em maio e mesmo os mais céticos tiveram de se curvar à possibilidade quando o diretor da Nasa, Jim Bridenstine, veio a público confirmar os planos. De acordo com o anúncio, feito pelo Twitter, as gravações devem ser realizadas na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).
Pode até parecer simples, mas gravar um filme no local será um trabalho digno de Ethan Hunt, personagem de Cruise na franquia Missão: Impossível. O doutor em física teórica Sílvio Dahmen, professor do Instituto de Física da UFRGS, destaca que a maioria dos astronautas passa por anos de preparação antes de poder se candidatar a uma aventura espacial:
— Uma das coisas mais fundamentais em viagens espaciais é garantir a segurança de todos a bordo, e astronautas treinam juntos com sua equipe por anos para se familiarizarem uns com os outros. Neste sentido, a última coisa que astronautas na ISS iriam querer é algum turista lá sem uma tarefa ou treinamento específico.
A Nasa, por exemplo, exige que seus astronautas tenham especializações em áreas de tecnologia, engenharia, matemática, biologia ou saúde. Outro requerimento é ter horas de voo como pilotos e uma saúde excelente. Estes últimos requisitos, ao menos, estão a favor de Tom Cruise.
Por outro lado, também não faltam motivos para a agência espacial abrir uma exceção para a superestrela. Como Bridenstine citou, é uma oportunidade de inspirar uma geração de jovens mundo afora a seguir carreiras científicas ou em engenharias.
Além disso, os planos da Nasa dependem da aprovação de orçamentos astronômicos pelo governo norte-americano e é necessário provar à população por que é interessante que o dinheiro dos impostos seja empregado nisto. Segundo o programa Houston We Have a Podcast, por exemplo, a agência esteve envolvida em um recorde de 143 documentários, 25 longas-metragens e 41 programas de televisão no ano de 2017.
— Astronautas são relativamente pouco conhecidos e poucos sabem do nível de treinamento que têm e a exigência sobre eles. Um astronauta pode andar na rua e nem ser reconhecido, mas uma astro de Hollywood não — destaca o professor Dahmen.
Desafios
A viagem em si também não tem nada de banal. O professor Dahmen destaca os riscos inerentes de embarcar em uma missão assim:
— Toda viagem espacial envolve riscos pois o foguete é, de certo modo, como uma bomba. A diferença é que um foguete vai queimando seu combustível de maneira controlada, mas há sempre o risco de explosão por uma falha, como já presenciamos em alguns lançamentos. As condições atmosféricas influem muito no lançamento também.
Um dos acidentes mais emblemáticos foi do ônibus espacial Challenger, em 1986, quando a nave explodiu apenas 73 segundos após o lançamento, matando os sete astronautas a bordo. Desde lá, é verdade, a tecnologia vem avançando. A cápsula Dragon, utilizada pela SpaceX em maio, por exemplo, é ejetável — ou seja, pode se separar do foguete durante o lançamento, em caso de acidentes.
E há motivos para acreditar que a empresa do polêmico Elon Musk estará envolvida no filme de Cruise. Em maio, o próprio CEO deu a entender que está participando da iniciativa com a provocante resposta "Deverá ser muito divertido", ao anúncio da Nasa.
Não é de hoje que o bilionário se envolve em projetos inusitados para desbravar "a fronteira final", tendo colocado seu Tesla em órbita no último ano e defendido a colonização de Marte nas últimas décadas (com seriedade). Nem seria uma ajuda despropositada: o voo de maio tornou a SpaceX a primeira empresa privada a levar astronautas para o espaço e Musk sonha com um futuro com viagens mais "cotidianas" para fora do planeta.
Sair da Terra pode ser um dos momentos mais tensos do projeto, mas de forma alguma é o único desafio. Uma vez no espaço, por exemplo, a microgravidade pode gerar uma série de problemas à saúde, de problemas de orientação (o líquido labirinto, no ouvido interno, perde a referência do que está em cima e o que está embaixo, sem a gravidade); até atrofia muscular. E é impossível que cenas de luta, explosões ou de qualquer risco real sejam permitidas na Estação Espacial.
— Eu imagino mais o Tom Cruise gravando algumas cenas lá dentro como se fosse um "membro" da equipe na ISS — aposta o professor Dahmen . — De modo geral, seria uma logística tremenda e um custo altíssimo pois cada astronauta implica num investimento de cerca de 20 milhões de dólares e anos de treinamento.
Richard Garriott, diretor do curta-metragem Apogee of Fear, o primeiro filme de ficção gravado completamente no espaço, também acredita que o novo projeto passará longe das corridas e saltos mortais de Tom Cruise, caso eles escolham utilizar apenas cenas feitas fora da Terra.
— A realidade de filmar no espaço pode significar que eles vão descobrir que é muito mais fácil filmar as cenas de ação na Terra, onde tudo pode ser controlado, ou que vamos ajustar o que entendemos como um filme de ação. Mais como 2001, onde a ação é psicológica, do que como uma luta de facas — afirmou em entrevista ao CNET
Histórico
O cinema ainda engatinhava quando o francês Georges Méliès criou Viagem à Lua (1902). Considerado o primeiro filme de ficção científica da história, a produção — de cerca de 14 minutos — trata justamente de uma excursão ao espaço. Se falta realismo à obra, sobra o desejo de desbravar o mundo lá fora.
Daí para frente, não faltam exemplos de clássicos ambientados fora da Terra. Da ópera espacial Star Wars, de George Lucas, até o premiado 2001 - Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Apenas nos últimos cinco anos, foram lançadas produções como Perdido em Marte (2015), Mission Control: The Unsung Heroes of Apollo (2017), O Primeiro Homem (2018) e Ad Astra - Rumo às Estrelas (2019).
O primeiro filme de ficção gravado completamente no espaço, no entanto, foi uma produção um tanto mais humilde: Apogee of Fear, de 2008, tem cerca de sete minutos e meio. Richard Garriott, empresário da área de videogames, cujo pai era astronauta, pagou cerca de 30 milhões de dólares para "fazer turismo" e ficar duas semanas na Estação Espacial.
Lá, estrelou o próprio filme, contracenando com os astronautas Yuri Lonchakov, Michael Fincke e Greg Chamitoff. Em entrevista ao portal CNET, Garriott ressaltou também que não faltaram contratempos em sua missão cinematográfica:
— Cada shot é mais difícil que seria na Terra. Tudo na estação espacial é mantido preso a parede, geralmente por um pedaço de velcro. Portanto, se você estiver passando e suas pernas estiverem batendo nos lados, o que tende a acontecer com iniciantes, você acaba deslocando chaves de fenda, caixas de filme, tampas de lentes e, quando você chega ao outro lado, está em volta de uma nuvem de detritos.