Por Camila de Moraes
Jornalista e cineasta, diretora do longa-metragem “O Caso do Homem Errado” (2017)
Na busca por mudanças de paradigmas, o cinema afirmativo é aquele comprometido com a dignidade de nossas histórias. Uma expressão artística com suas próprias características e especificidades, passando assim por um lugar de criação, experimentação e reflexão que contribuirá para um contato mais próximo da população a partir de um conteúdo cada vez mais diverso.
Temas latentes são apresentados com olhares diversificados abordando assuntos cada vez mais urgentes e necessários na procura por uma produção audiovisual que possa apresentar melhor e que dialogue com grupos que nem sempre tiveram espaço. O rastreio da memória exige o registro de novas narrativas. Com muita criatividade, a linguagem cinematográfica é utilizada como instrumento para contribuir e ampliar tais discussões. Para contar sua própria história sem estereótipos, realizador@s negras e negros cada dia mais se unem para viabilizar suas produções e se consolidarem como um cinema de desde dentro para desde fora, ou seja, trata-se de um cinema feito por pessoas negras para o mundo. E, se parte da sociedade estiver disposta a olhar ao seu redor e identificar esses talentos, o país dará um grande salto para diminuir as desigualdades já instaladas e existentes nesse mercado.
Dessa forma, conseguiremos ampliar o panorama da diversidade brasileira, tecnicamente vigoroso e composto pelas realidades de um país continental. É o cinema afirmativo se impondo, resistente, fértil e poderoso. É o “cinema de quilombo”, termo utilizado pela roteirista e diretora Gautier Lee e adotado pelo coletivo Macumba Lab, mostrando seu processo de articulação. É o “cinema de terreiro”, termo adotado pelo jornalista e pesquisador em cinema Pedro Caribé, que nos ensina que este é o cinema de afro-brasileiros, que se fez, se faz e continuará a se fazer presente a partir desses territórios negros. É o Cinema Negro latente que cria uma Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (Apan) para fomentar a diversidade racial em toda a cadeia produtiva, cuja a política se estrutura na concepção, produção, distribuição e exibição com compromisso de combater o racismo e as mais diversas discriminações. É o cinema que integra, com uma vasta programação, o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, Brasil, África e Caribe, que está na sua 13ª edição. É o cinema feito por mulheres negras acolhidas na Mostra Competitiva Adélia Sampaio. É a potência do nosso fazer que se traduz em quilombo fílmico.
O desconhecimento desses fazeres por parte do grande público não significa inércia. Sua abrangência dentro da comunidade negra é notória. Porém, é chegada a hora de essas produções terem as mesmas condições financeiras para traçarem seus destinos e carreiras. Há necessidade de ações afirmativas no setor. Essas se fazem urgentes para que esse caminhar não seja com tantos obstáculos e cada vez mais obras fílmicas diversificadas estejam inseridas nesse ambiente. Para tanto, uma política específica de investimento nessa área se faz necessária.
Todas essas ações se tornam importantes tanto para quem faz como para quem consome a sétima arte. O intuito é promover a igualdade de direitos construída a partir de um diálogo com realizador@s negros, a realidade enfrentada, para que se tenha uma representatividade negra dentro desse ambiente com a compreensão e fortalecimento de empatias de outros públicos. Só assim, tais realizador@s poderão continuar exercendo suas atividades sem adoecimentos. A intenção é elevar a autoestima da população negra, é ser espelho positivo, seja em qual área for de atuação, é trabalhar com a economia criativa, é transformar a comunidade na qual está inserida. Portanto, o cinema brasileiro é composto por todas essas categorias, na qual eu me incluo orgulhosamente, utilizando o poder da arte para uma nova perspectiva de olhares.