Convenhamos, ter uma banda de rock e sonhar em viver dela em 2019 é algo bastante quixotesco. Não há mais espaço nas paradas musicais e as casas para se apresentar são cada vez mais escassas. Em cartaz em Porto Alegre, Ainda Temos a Imensidão da Noite retrata esse clima de fim de festa do gênero, mas vai além do rock: serve de alegoria para retratar a batalha de qualquer artista contra a invisibilidade. Uma luta pela existência.
Dirigido por Gustavo Galvão (Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa), o filme tem sua narrativa centralizada em Karen (Ayla Gresta), vocalista e trompetista da banda Animal Interior. Sem ter muito retorno de público em Brasília, o grupo começa a se deteriorar. Persistente e inquieta, ela quer seguir o seu sonho de viver pela música. Porém, o guitarrista da banda e seu namorado, Artur (Gustavo Halfeld), parte para Berlim. Apesar de ser um companheiro distante, Karen decide segui-lo. Parte de mala e trompete para a Alemanha. Contudo, em sua estadia no Exterior, a trompetista se depara com surpresas que a fazem questionar suas escolhas.
Segundo Gustavo Galvão, um dos objetivos do longa é mostrar a luta que é fazer música:
— Desde o início do projeto, a ideia era mostrar esse lado quixotesco do artista. Música não é algo que surge espontaneamente. Envolve muito suor. Exige um esforço.
Além de apresentar uma resistência pela arte, o filme também traça um paralelo entre duas cidades.
— Em Brasília, os personagens enfrentam a falta de lugar para tocar e a falta de interesse das pessoas. Em Berlim, a gentrificação — aponta Galvão.
Para Galvão, Brasília já não é mais aquela Capital vibrante que pavimentou o rock brasileiro nos anos 1980.
— É uma cidade com relevância inquestionável para a história do rock brasileiro, ainda tem bandas, mas cada vez mais os espaços estão mais escassos. Tem muito lugar que fecha cedo também. A música precisa da noite para viver a cidade. Uma cidade é feita das pessoas, do trabalho, do comércio, dos carros, mas também da vida que você dá a ela — reflete.
Chama o Ranaldo
Formada especialmente para o filme, a banda Animal Interior é composta por músicos de verdade em vez de atores — caminho pelo qual Galvão optou para dar mais veracidade às cenas performáticas. Com uma sonoridade que remete a grupos como Joy Division e Sonic Youth, as composições e letras das canções são de autoria da própria banda.
— Nunca tinha me dado a oportunidade de compor em uma banda de rock, mas foi muito do que eu pensava a cidade. A música que reflete esse deslocar pela Capital — conta Ayla Gresta, que fez sua estreia no filme como atriz.
Ela aprendeu a tocar trompete na escola, mas depois enveredou para o curso de arquitetura. Voltou a tocar trompete com a chamada para o filme.
— O trompete estava parado há um bom tempo, há uns seis meses na caixa. Eu já não sabia muito como ia voltar a tocá-lo — lembra.
Motivada pelo filme, Ayla passou a tocar em fanfarra e montou um projeto chamado YPU com Gustavo Halfeld, guitarrista da banda formada para o filme.
— Depois que a Karen entrou na minha vida, a atuação e a música viraram duas frentes na minha vida — afirma a instrumentista e, agora, atriz.
Foi Ayla quem fez convite para Lee Ranaldo, ex-guitarrista da banda Sonic Youth, ser o produtor musical da Animal Interior. Foi durante o Festival Móveis Convida 2016, em Brasília. O músico foi receptivo e se animou com a ideia de voltar à capital brasileira.
— Fiquei fascinado pela arquitetura de Oscar Niemeyer. Quando fiz meu show lá, só fiquei por uns dias. Queria voltar e ficar mais tempo e essa foi uma oportunidade para ficar duas ou três semanas em Brasília — recorda Ranaldo.
Segundo Ranaldo, a experiência de produzir a Animal Interior foi bastante interessante e divertida.
— Quando eu cheguei, só precisava refinar e definir como as músicas iriam soar. Em alguns casos, ajustava os arranjos, coisas assim. Foram bons momentos realizando essas gravações — pontua.
SALAS E HORÁRIOS
CineBancários (19h), Espaço Itaú (21h30) e Sala Norbero Lubisco (17h10 e 19h40).