Dirigido pelo gaúcho Zeca Brito, Legalidade é um filme que olha para o passado histórico sem se refugiar na neutralidade que tem sido o abrigo de muita gente nestes tempos de polarização política. A produção da Prana Filmes, exibida em sessão especial durante o Festival de Gramado e que agora estreia no circuito comercial, reconstitui os dramáticos 13 dias entre agosto e setembro de 1961 em que Leonel Brizola liderou no Rio Grande do Sul um movimento de resistência a uma tentativa de golpe militar.
Brizola é interpretado pelo ator Leonardo Machado, em seu último papel no cinema – ele morreu em setembro de 2018. Embora Brizola seja o centro histórico do filme, e um dos poucos personagens reais com nome próprio na produção, o foco da narrativa está em um triângulo amoroso fictício entre dois irmãos, Luis Carlos (Fernando Alves Pinto, rosto bem conhecido do cinema nacional, protagonista de Terra Estrangeira e Dois Coelhos) e Tonho (José Henrique Ligabue), e a jornalista correspondente do Washington Post Cecília (Cleo, antigamente Pires).
Luis Carlos é um antropólogo comunista que desenvolve um trabalho nas missões de São Miguel. Tonho é um repórter fotográfico boêmio. Ambos, em momentos diferentes, se envolvem com a jornalista vivida por Cleo, que por sua vez tem sua própria agenda de interesses no episódio.
Uma terceira linha narrativa apresenta Letícia Sabatella interpretando uma mulher que, 40 anos depois, vasculha arquivos da ditadura em busca de informação de sua mãe, uma procura que vai se conectar ao episódio da Legalidade. O filme, como já se disse, tem a coragem de tomar partido:
– Esse é um momento histórico do Rio Grande do Sul que é bem pouco conhecido fora do Brasil e pouco ensinado nas escolas mesmo aqui. Recuperá-lo é uma obrigação – disse Zeca Brito em entrevista em Gramado.
As semanas que frustraram o golpe
Quando o presidente Jânio Quadros renunciou, na noite de 25 de agosto de 1961, seu vice e adversário (na época, podia-se votar separadamente para presidente e vice) João Goulart , o Jango, estava na China, em viagem oficial. Para evitar a posse de Goulart, tido como “comunista” por alas radicais, os três ministros militares do Brasil – Odílio Denys, do Exército, Gabriel Grün Moss, da Aeronáutica, e Sílvio Heck, da Marinha –, tentam impedir seu retorno.
O então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado e aliado político de Jango, orquestra um movimento de resistência que tem como epicentro o Palácio Piratini. Brizola confisca os transmissores da Rádio Guaíba e monta uma rádio no porão do palácio, de onde discursa repetidamente em nome do cumprimento da legalidade constitucional. O impasse vai até 7 de setembro, quando Jango volta e assume em regime parlamentarista.