Presente no 47º Festival de Cinema de Gramado com A Pedra, que participou da mostra gaúcha de curtas e ainda concorre entre as produções nacionais, a cineasta Iuli Gerbase começa a entrevista para GaúchaZH frisando que, ao contrário do que se romantiza, ela não cresceu em um set de cinema.
— Cada longa do meu pai ou do Jorge (Furtado), que a minha mãe produzia, eu ia só em uma diária — esclarece a cineasta de 29 anos.
Filha do cineasta Carlos Gerbase e da produtora Luciana Tomasi, Iuli cresceu mesmo vindo ao Festival de Cinema de Gramado.
— Teve um longa do meu pai que estreou aqui em que eu dividia uma poltrona com a minha irmã. As duas na mesma cadeira de tão pequenas que a gente era — lembra.
Antes espectadora, Iuli retornaria adulta ao festival com seus curtas. Com Tricô e Pitangas, seu projeto de conclusão da faculdade de cinema da PUCRS, ela foi agraciada com o prêmio de melhor roteiro de curta gaúcho em 2011. Dois anos depois, ela seria contemplada na categoria de melhor direção de curta gaúcha com Férias.
Em seu currículo de curtas, também há Folha em Branco (2011) e Pierre e a Mochila (2013) – ambos integrantes do projeto Histórias Curtas, da RBS TV –, além de Só Isso (2012). Iuli também comandou a série Turma 5B, que aguarda uma oportunidade de lançamento, e assinou o roteiro da série animada Xis-Coração, ao lado de seu pai e Lisandro Santos.
Quando era criança, Iuli queria ser escritora. Tanto que, aos 17 anos, ela prestou vestibular para Letras na UFRGS e cinema na PUCRS.
— Começou a me atrair a possibilidade do cinema mexer com vários tipos de arte em um filme: figurino, música, roteiro... Juntar tudo isso me atraiu. Não entrei na faculdade de cinema pensando que ia ser diretora. Vi que gostava disso ao longa do curso — explica.
Inevitavelmente, teve aulas com o pai:
— Era engraçado. Quando eu falava "professor", ele deu uma risada na primeira vez.
Em paralelo com seus projetos autorais, desde cedo Iuli fez assistência de direção para alguns cineastas gaúchos: Boca Migotto, Rafael Ferretti, Zeca Brito, Augusto Canani, para o seu pai. Segundo a cineasta, ela conseguiu absorver um pouco de cada um dos diretores com os quais trabalhou: havia aquele mais detalhista, outro do improviso, etc.
— Não indico a pessoa começar na direção assim que sair da faculdade, pois daí perde um pouco da sensibilidade de entender também o processo da assistência, que é cuidar do cronograma, cuidar do tamanho do projeto. Como na direção você tem que entender um pouco de tudo, é bom explorar outras áreas — avalia.
No entanto, Iuli faz uma ressalva:
— Infelizmente, não fui assistente de nenhuma mulher, para ver que é mais dominado por homens.
Entre as diretoras brasileiras que mais admira, ela cita Anna Muylaert e a Petra Costa. Para Iuli, a presença de mulheres nos curso de cinema está crescendo.
— Elas estão se sentindo mais à vontade de encarar o cargo de direção. Muitas vezes acabam indo para a produção, pois dizem que "ai, a mulher resolve a coisa". Produtora tem aquele perfil meio mãe, de cuidar da equipe. Parece chato: ah, os homens vão ser os criativos, os diretores, e as mulheres vão ficar cuidando dos problemas. Passar elas para direção é importante. Está aumentando a cada ano um pouco — analisa.
Primeiro longa
Em maio, Iuli rodou seu primeiro longa-metragem, intitulado A Nuvem Rosa. Atualmente, ela trabalha no primeiro corte do filme. A cineasta relata que o roteiro surgiu em seu trabalho de mestrado. Nesse texto, ela propôs para si o desafio de realizar um filme com poucos personagens presos em um ambiente.
— Neste longa, há um casal preso em um apartamento porque há uma nuvem rosa que mata em 10 segundos, que invadiu o Brasil inteiro. Todo mundo tem que se fechar aonde está. Não é um filme apocalíptico, mas sim pós-apocalíptico, bem de relacionamentos, casal, DR (discussão de relacionamento)... Tem um toque surrealista e de ficção científica, de como a sociedade se adapta a isso — explica.
Protagonizado por Renata De Lélis e Eduardo Mendonça, A Nuvem Rosa ainda não tem previsão de lançamento. Iuli ainda está desenvolvendo uma série com a cineasta Ana Carolina Azevedo. Também está pensando em um próximo longa.
A Pedra
Este ano, Iuli veio ao Festival de Cinema de Gramado com o curta A Pedra, que conta com Felipe Kannenberg, Ester Amanda Schafer, Morgana Kretzmann, João Felipe Kowal no elenco. Na trama, o bote de uma família emperra durante um passeio de rafting. Pietra (Ester), a filha mais nova, passa por momentos de tensão com seu pai (Kannenberg).
Para o curta, Iuli buscou inspiração no filme Força Maior (2014) e em experiências familiares.
— Lembrei de um passeio de rafting que eu fiz quando era criança, só que sem meu pai: minha mãe, eu e minhas duas irmãs. Aconteceu o que acontece no filme: o bote emperra e o instrutor fala que o bote está muito pesado e é para sair os adultos. A parte mais dramática, da interação do pai com a filha no mato, foi ficção — explana.
Não é a primeira vez que Iuli comanda crianças no set de filmagem – vide Turma 5B e Pierre e a Mochila. Entre os aspectos positivos de lidar com os pequenos, ela cita a naturalidade e espontaneidade dos atores mirins.
— Tem gente que prefere morrer do que trabalhar com criança (risos). Elas não tem uma coisa que alguns atores adultos têm que é o ego meio inflado. O diálogo é aberto, tem muita energia, demoram para cansar. Quando cansam, é um desastre (risos). Não tem aquela preocupação com a própria imagem, são mais soltos e livres nesse sentido — destaca.