Depois do estrondoso sucesso de Bohemian Rhapsody, tudo levava a crer que um novo patamar de excelência (e bilheteria) tinha sido estipulado para as cinebiografias de astros pop. O que aumentou muito a expectativa para Rocketman, o longa que se propõe a contar a vida de Elton John.
E não é que o filme protagonizado por Taron Egerton é mais empolgante, divertido e inteligente do que a biografia de Freddie Mercury?
A diferença não está obviamente só nos personagens. A grande sacada de Rocketman é a escolha do formato para contar sua história - um musical delirante, que usa e abusa daquelas cenas em que todo mundo começa a cantar e dançar no meio da rua.
Desta vez, não há reparos a fazer sobre a fidelidade dos fatos narrados, que foi um problema em Bohemian Rhapsody, com erros crassos de cronologia. Eram incorreções comprometedoras, porque o filme era uma dramatização "realista" da vida de Mercury, intercalada com as canções.
Para Rocketman, o diretor Dexter Fletcher, ator britânico que aos poucos se arrisca atrás das câmeras, optou pelo formato do musical em que partes do enredo são transmitidas pelas letras das músicas. E encontrou uma maneira engenhosa para encadear todos os números, sem precisar respeitar a ordem cronológica do lançamento de cada canção.
O filme é guiado pelo depoimento de Elton John em uma clínica de reabilitação. Diante de outros pacientes, numa terapia de grupo, ele vai recordando sua vida, desde quando era um garotinho desprezado pelo pai que, graças ao talento nato para o piano, consegue uma bolsa de estudos.
Sem se preocupar em misturar canções antigas e outras mais novas, o roteiro encaixa letras que têm relação, mesmo que tênue, com a situação vivida por Elton John naquele determinado momento.
É quase possível dizer que as músicas são ferramentas funcionais na narrativa, servem para comentar a ascensão do cantor, o sucesso mundial, as decepções amorosas e os problemas com drogas.
Mas, claro, o repertório de clássicos de Elton John nunca será apenas um acessório narrativo. São hinos da música pop, que vão despertar lembranças em gerações de admiradores. Todos apresentados em cenas enlouquecidas, com um virtuosismo visual que há tempos não se vê no cinema.
Não poderia ser diferente, já que o biografado é detentor do mais deslumbrante e exagerado guarda-roupa da história do showbusiness.
Egerton em destaque
Quem acaba comandando o show é Taron Egerton. O ator canta todas as músicas e se sai muito bem na missão. Não tenta imitar a voz do cantor, falta um tanto de alcance em algumas notas, mas Egerton consegue dar uma personalidade vocal ao Elton do filme. E a composição do protagonista é muito boa. Se a Academia de Hollywood foi seduzida pela caricatura construída por Rami Malek em Bohemian Rhapsody, é bom já preparar o Oscar para Egerton.
Mesmo num filme tão alegre, exuberante, a descida de Elton ao fundo do poço não fica escondida. Orgias e drogas pesadas passam em abundância pela tela, embora retratadas com o apuro visual de cenas coreografadas. Apesar de o músico ter controlado o projeto (seu marido, David Furnish, é um dos produtores), os altos e baixos de sua trajetória estão escancarados.
O filme é também uma celebração da amizade de Elton e Bernie Taupin, o letrista talentoso que é seu parceiro desde o primeiro álbum até hoje, exceto por um período de afastamento nos piores momentos do cantor com a dependência química. Jamie Bell, sempre um ótimo ator, imprime carisma à figura de Taupin.
Rocketman é eletrizante, deve alcançar um público mais amplo do que os já fanáticos por Elton John. E sua trilha sonora consegue ter brilho próprio, credenciando Taron Egerton a outros voos musicais.
Um filme para ver e rever de tempos em tempos, para recordar uma época em que o pop tinha seus gênios criativos de verdade.
ROCKETMAN
- Avaliação: ótimo
- Classificação: 16 anos
- Elenco: Taron Egerton, Jamie Bell, Bryce Dallas Howard, Richard Madden
- Produção: Reino Unido/EUA, 2019
- Direção Dexter Fletcher