Até agora relegados a papéis cômicos secundários, ou simplesmente ausentes das telas, atores com o peso acima dos padrões estéticos estão lentamente interpretando personagens mais importantes, tanto na televisão quanto no cinema. Sinal de mudança na sociedade.
Adaptada do best-seller autobiográfico de Lindy West, a série Shrill, que estreou na plataforma Hulu (ainda não disponível no Brasil) na semana passada, é o mais recente exemplo da abertura dos estúdios a padrões físicos diferentes daqueles que imperavam nos meios audiovisuais.
Há uma década algumas atrizes negras corpulentas já interpretaram personagens principais na televisão e no cinema, como as vencedoras do Oscar Octavia Spencer e Mo'Nique e a estrela do rap Queen Latifah. Já nos últimos anos, Chrissy Metz, da série This Is Us, Danielle Macdonald, do filme Dumplin', Rebel Wilson, de Megarrromântico, ambos filmes da Netflix, além de Melissa McCarthy, comediante de Caça-Fantasmas indicada ao Oscar 2018 pelo papel dramático em Poderia me Perdoar?, ocupam o primeiro escalão das estrelas.
– Creio que o público americano e provavelmente o público em geral não está acostumado a ver gordos nas tela — declarou Aidy Bryant, a heroína de Shrill, à revista Elle. Ela também integra o elenco do popular programa Saturday Night Live.
Professora e diretora adjunta do Centro de Política Nutricional e Obesidade da Universidade de Connecticut, Rebecca Puhl destaca:
– Estamos assistindo a uma mudança. – Começamos a ver pessoas de forte corpulência em papéis principais na televisão e no cinema.
Para James Zervios, vice-presidente da organização Obesity Action Coalition, que tem como uma de suas missões lutar contra a discriminação relacionada ao peso, a gordofobia, além de maior presença nas produções, esses atores estão interpretando personagens diferentes:
– Até agora os atores e atrizes obesos eram contratados para interpretar papéis cômicos. Há pouco tempo, começamos a ver pessoas obesas, como Chrissy Metz (indicada aos prêmios Emmy e Globo de Ouro), nos papéis mais dramáticos.
Contudo, Zervios considera que os homens corpulentos, ao contrário das mulheres, seguem aparecendo principalmente em comédias.
Até agora os relatórios do centro de Rebecca Puhl mostravam que os personagens obesos eram ridicularizados.
– Executavam comportamentos caricatos e comilões (...) e tinham menos interações positivas com os outros – destaca a especialista.
Este aspecto está muito presente nos programas para jovens, que, nos últimos anos, evoluíram menos neste tema do que as séries e filmes para o público adulto.
– Os personagens corpulentos são apresentados de forma muito mais negativa, como agressivos, antissociais ou antipáticos – diz Rebecca. – Ainda há muito a fazer. Este fenômeno pode ser inclusive prejudicial, já que a representação tende a validar a discriminação na vida diária, ponto que o movimento contra a gordofobia trabalha para combater.
Atualmente, Melissa McCarthy é a única atriz americana do primeiro escalão que recebe convites para papéis em que seu peso ou aparência física não são centrais. Para outras, como Chrissy Metz em This Is Us ou Danielle Macdonald em Dumplin', a referência física continua sendo um aspecto importante, apesar de não ser dominante.
– A obesidade é uma parte importante do papel de Chrissy Metz, mas é mostrada sob uma ótica respeitosa e realista — afirma James Zervios.
Rebecca Puhl complementa:
– Não creio que a batalha foi vencida. A diversidade dos corpos teria que ser algo comum nos meios de comunicação. Sabemos que dois terços dos americanos tem sobrepeso ou são obesos (71,5% segundo o Centro para o Controle e a Prevenção de Doenças, CDC). Assim, já está na hora de mostrar essas pessoas na tela.