Ao comemorar o seu primeiro Oscar, o cineasta americano Spike Lee, 61, criticou indiretamente o governo de Donald Trump durante o seu discurso, e o presidente retrucou pelo Twitter. Lee levou o prêmio de melhor roteiro adaptado pelo longa Infiltrado na Klan (2018).
"Seria legal se Spike Lee pudesse ler suas anotações, ou melhor ainda, não ter que usar anotações ao fazer sua crítica racista ao presidente, que fez mais pelos afro-americanos (Reforma da Justiça Criminal, Desemprego mais baixo da história, cortes fiscais) do que quase qualquer outro."
Em seu discurso de vitória, Lee lembrou que a escravidão ainda é algo próximo da realidade e deu como exemplo a sua avó que cursou faculdade e o ajudou a se formar cineasta, apesar da mãe dela ter sido escrava. No fim de sua fala, o cineasta pediu para os americanos se mobilizarem nas eleições do ano que vem em uma campanha contra o ódio.
— Estejamos no lado certo da história. Faça uma escolha moral entre o amor e o ódio —afirmou Lee.
Infiltrado na Klan faz críticas bem diretas a Donald Trump. O filme, inspirado num caso real, narra a história de um policial negro (John David Washington) que consegue se infiltrar nas entranhas da organização racista e nacionalista Ku Klux Klan, nos anos 1970.
O filme acaba com imagens da marcha de supremacistas em Charlottesville, ocorrida no ano passado e inclui o discurso de Trump a respeito. Na ocasião, o presidente disse que houve violência das duas partes e que tinha "algumas boas pessoas" também do lado dos que marcharam.
— Aquele filho da puta teve a chance de dizer coisas amorosas e denunciar a Ku Klux Klan e aqueles nazistas de merda, mas não fez — afirmou Lee durante entrevista coletiva sobre o filme.
O cineasta concorria com Infiltrado na Klan nas categorias de melhor edição, de melhor trilha sonora e também de melhor filme. O grande prêmio da noite, no entanto, ficou para Green Book, que também trata de racismo. Lee não gostou de perder e deu às costas ao palco quando o prêmio ao longa concorrente foi anunciado.
Em entrevista, ele brincou em relação ao Oscar que também não levou em 1990, quando concorria com o filme Faça a Coisa Certa (1989) na categoria de melhor roteiro original. A estatueta de melhor filme, naquele ano, ficou para Conduzindo Miss Daisy (1989).
— Toda vez que tem alguém dirigindo, eu perco — brincou Lee.
O cineasta já concorreu ao Oscar com o documentário Quatro Meninas (1997) e recebeu um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra em 2016.
Veja o discurso de Spike Lee:
"A palavra de hoje é 'ironia'. A data, dia 24. O mês, fevereiro, que por um acaso é o mês mais curto do ano, que, por um acaso, é o mês da História Negra. O ano, 2019. O ano, 1619. História. A história dela. 1619. 2019. 400 anos.
Quatrocentos anos. Nossos ancenstrais foram roubados da Mãe África e trazidos para Jamestown, Vírginia, escravizados. Nossos ancestrais trabalharam na terra desde antes do sol nascer até depois do pôr-do-sol. Minha avó, que viveu 100 anos, que estudou na faculdade de Spelman, mesmo sua mãe tendo sido uma escrava. Minha avó que economizou 50 anos de cheques para a previdência para que pudesse colocar seu primeiro neto — ela me chamava Spikie-poo — no Morehouse College e na universidade N.Y.U. de cinema. N.Y.U.!
Antes do mundo desta noite, eu dou graças aos nossos ancestrais que construíram esse país da forma que ele é hoje, enquanto os povos nativos eram mortos. Nós estamos todos conectados com nossos ancestrais. Nós vamos reconquistar o amor e sabedoria, nós vamos reconquistar nossa humanidade. Será um momento poderoso. A eleição presidencial de 2020 está se aproximando. Vamos nos mobilizar, vamos todos estar no lado certo da história. Fazer a escolha moral entre amor e ódio. Vamos fazer a coisa certa! Vocês sabem que eu precisa dizer isto, aqui."