Dirigido por Marcelo Martinessi, o filme paraguaio As Herdeiras abriu na noite de domingo a competição de filmes latinos no Festival de Gramado. Produção de câmara com narrativa linear, seu desenvolvimento direto e reto ajuda a fazer brilharem as excelentes atrizes que vivem o trio central, Ana Brun, Margarita Irún e Ana Ivanova – Ana Brun ganhou em fevereiro o Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Berlim.
Na trama, Chela (Ana Brun) e Chiqui (Margarita Irun) são um casal de mulheres de meia idade e de classe alta em má situação financeira. As parceiras têm temperamento oposto, sendo Chiqui solar e extrovertida, e Chela uma mulher esmagada por medo e depressão. Chela não gosta de sair de casa, tem medo de dirigir e evita a todo custo contato com as possíveis compradoras de classe alta que visitam a bela casa em que ambas moram avaliando os bens sofisticados que elas precisam pôr à venda, já que o dinheiro que sempre tiveram não é mais suficiente.
Quando Chiqui vai presa devido a um processo por dívidas, Chela precisa se virar sozinha. Quase por acaso, começa a usar o velho automóvel Mercedes herdado de sua família (e também à venda, a essas alturas) para fazer as vezes de motorista para algumas de suas amigas e vizinhas, entre elas a cativante Pituca (María Martins, ótima). Nessa função, conhece uma mulher mais jovem Andy (Ana Ivanova). Com isso, perde gradativamente o medo de dirigir e descobre na figura impetuosa de Andy um novo motivo de atração. É nessa redescoberta de uma autonomia que pensava perdida que Chela refloresce – deixando claro que parte de sua apatia vinha dos próprios papéis que ela e Chiqui haviam desenvolvido durante sua relação.
O filme é dominado pela presença marcante de Ana Brun, que, com olhos de uma expressividade ígnea, faz borbulhar em silêncio um universo de emoções que refletem o turbilhão interno de Chela. Curiosamente, Ana não é uma atriz de formação, e sim uma advogada de direitos autorais.
Na entrevista coletiva, brincou que usava um pseudônimo para não comprometer suas outras atividades, mas o sucesso de As Herdeiras tornou o disfarce impossível.
Coprodução paraguaia com Brasil, Uruguai, Noruega, Alemanha e França e outros países, As Herdeiras consagrou-se em Berlim também com o Prêmio da Crítica e o troféu honorífico Alfred Bauer, destinado ao filme que "abre novas perspectivas sobre a arte cinematográfica", para Marcelo Martinessi, estreante em longas de ficção. São todos nomes que também parecem prontos para sair premiados de Gramado.
O longa estreia no circuito brasileiro dia 30 de agosto.