Em 2004, Holly Hunter distribuiu porrada em Os Incríveis, filme da Pixar-Disney que faturou mais de US$630 milhões ao redor do mundo e ganhou o Oscar de Melhor Animação.
Catorze anos depois, ela está de volta em Os Incríveis 2, mostrando exatamente a mesma disposição. Dando voz à ultraflexível e briguenta Mulher Elástica – que nas horas vagas também é Helen Parr, mulher de Bob, mãe de Violeta, Flecha e Zezé –, Hunter dá a impressão de que todo o entusiasmo do original aconteceu há um minuto, em uma história que parte exatamente de onde a primeira terminou. E ainda com direito a uniforme novo, uma mansão chiquérrima e uma moto de fazer inveja a qualquer um.
A continuação segue uma linha feminista, com Helen saindo de casa para combater o crime e recuperar o prestígio dos super-heróis, deixando o marido (Craig T. Nelson) para cuidar dos afazeres e dos filhos, incluindo os superpoderes incipientes do caçula.
E também mantém Hunter – que se revelou em 1987 com Arizona Nunca Mais, dos irmãos Coen, antes de faturar o Oscar em 1994, com O Piano, tendo sido também indicada por Nos Bastidores da Notícia, A Firma e Aos Treze – em evidência, para delírio dos fãs. Mais recentemente, ela encarnou a mãe de uma universitária doente apaixonada por um norte-americano de origem paquistanesa em Doentes de Amor, e uma mãe que embarca em um grande experimento com quatro filhos de raças diferentes, sendo três adotado, em Here and Now, série da HBO já cancelada.
Em entrevista por telefone de Nova York, a atriz, famosa por sua discrição, falou sobre a encarnação mais recente da Mulher Elástica, o momento atual da carreira, o 60º aniversário, brincou sobre a família – "Não confirmo nem nego a existência dos meus filhos" – e até com o bairro onde mora. "Você pode dizer que vou me mudar para St. Marks Place, entre a Segunda e a Terceira. Estou brincando, mas bem que seria uma publicidade legal. Nossa, como a Hunter é descolada!".
A seguir, confira trechos da conversa.
O que a família Parr apronta desta vez?
Acho muito engraçado que o filme começa trinta segundos depois do final do primeiro. E é muito legal também que se tenha feito uma megarrevelação no fim do original, com o Zezé, nosso caçula, manifestando seus superpoderes a nove mil metros de altura, com o bandidão. Não sabemos ainda qual a sua capacidade, então, no início da continuação, não temos ideia do que teremos pela frente.
A Mulher Elástica vive uma situação perfeitamente adequada ao momento feminista. Isso significa que o diretor, Brad Bird, tem uma bola de cristal ou algum superpoder?
Pois é, a hora não poderia ser melhor. Obviamente é algo que vinha amadurecendo há tempos, e o Brad já pensava na história que queria contar, que tipo de evolução por que a família passaria. Tivemos foi é sorte. É maravilhoso porque Helen, no primeiro filme, era uma heroína meio a contragosto; estava mais preocupada em ser mãe e adorava a vida doméstica. É muito legal poder vê-la se revelar em sua autonomia, independente, com vida própria. Abre espaço para a Sra. Incrível na vida de muita gente.
E as melhorias na animação em si?
A articulação que os animadores têm à sua disposição é simplesmente radical. Quando estávamos fazendo o primeiro filme, eles apanharam muito para descobrir como fazer o cabelo da Violeta se mexer e ela poder se esconder atrás dele, por exemplo. Tecnicamente falando, era território desconhecido, ou seja, tiveram que se virar para achar um jeito. Isso hoje não é nada. A Pixar tem essa coisa sensacional de dar carta branca aos animadores na criação. Eles não reproduzem o que eu faço, ou o que Craig T. Nelson, ou Sam Jackson fazem. As possibilidades são infinitas e eles as estão explorando o máximo possível.
"Here and Now", a série criada por Alan Ball, não foi renovada depois da primeira temporada. Em algum momento você achou que isso poderia acontecer?
Alan é um artista de verdade, e quando topamos fazer "Here and Now", foi por causa do piloto e dele. Até então ninguém sabia como a história ia se desenvolver. Foi um processo de descobrimento para o elenco. Não achava, de maneira alguma, que a série não iria para frente. Estava postando nela.
Você está procurando coisa nova?
Sempre. O tempo todo à caça. Vivo de acordo com meu sobrenome ("hunter", ou "caçador" em inglês), que aliás também poderia ser Drifter ("nômade", "errante"). Em vez de Caçadora-Coletora, sou Caçadora-Errante. Recebo ofertas que quase sempre recuso. Tem muita coisa ruim por aí; raramente se vê uma obra-prima. O negócio é trabalhar com o que se tem.
Você completou 60 anos em março. Como se sente?
Com certeza estou consciente da minha mortalidade de uma forma que não aconteceu quando fiz 50. Você está um passo mais próxima dela. Tipo, é muita coisa! Ao mesmo tempo, vejo que as mulheres têm acesso a um poder que nunca tiveram antes. Uma das consequências disso é que estamos no prejuízo em termos do número de papéis femininos significativos, de executivas nos estúdios, diretoras, técnicas... estamos muito atrás em todas essas áreas. Ao mesmo tempo, estou esperançosa. E sei que não é uma esperança tola porque estou vendo o progresso que estamos fazendo.
Um artigo de 2013 na Atlantic ganhou o título "20 anos após 'O Piano', todos nós fracassamos com Holly Hunter", falando do fato de você pouco receber ofertas de papéis principais. Concorda com essa premissa?
[Risos] Não posso falar nada sobre o artigo. Você teria que perguntar ao público. É uma questão muito ampla, mas bem que eu gostaria de ouvir as respostas.
Há também boatos sobre o seu "ressurgimento". Está ensaiando uma volta por cima?
Até entendo que as pessoas vejam a carreira da gente nesses termos. Há exceções, claro, que são aqueles com que o público tem mais contato, que podem ser considerados superastros. Já para o resto – e me incluo nesse grupo –, o negócio é ralar. Tem época que, sim, fico desempregada, outras em que participo de projetos que não decolam, às vezes nem tem alcance. Fazer filme que não consegue distribuição passou a ser coisa relativamente comum. Se eu estou em uma peça, por exemplo, também meio que saio do consciente coletivo. O grande público não vê/viu esses trabalhos, então tem a impressão de que não estava fazendo nada, ou fazendo coisas menores. O fato é que eu ainda encaro os desafios que esses papéis representam. Continuo saindo de casa, continuo me dedicando, investindo. Meu motor continua mais ativo do que nunca.
Por Kathryn Shattuck/The New York Times