A vasta fortuna de imagens que ecoam o Tropicalismo ganhou um acréscimo de valor com Rogério Duarte, o Tropikaoslista, que estreia hoje nos cinemas do país. O longa de José Walter Lima (de Antônio Conselheiro, o Taumaturgo do Sertão, de 2012) chega no momento em que o disco-manifesto Tropicália (1968), pedra fundadora do movimento homônimo, completa 50 anos. Soma-se a uma série de filmes que põem em evidência seus princípios e discutem seu legado, entre os quais o recente Torquato Neto – Todas as Horas do Fim (de Eduardo Ades e Marcus Fernando, 2017) e, destaque do conjunto, Tropicália (de Marcelo Machado, 2012).
A sacada de José Walter Lima (não confundir com o veterano Walter Lima Jr.) foi vislumbrar aqueles fins de anos 1960, tempo de contracultura, pela ótica de um grande personagem. Baiano, designer, amigo de Glauber Rocha, Rogério Duarte criou capas de discos e cartazes de filmes que, vistos em perspectiva, ajudam a dar unidade à gama nem sempre homogênea de manifestações tropicalistas – o que reforça a impressão de que se trata de um dos mentores fundamentais do movimento.
Ele foi, também, um dos primeiros a serem presos e torturados pela ditadura militar, caso amplamente divulgado pela imprensa à época e razão de grande mobilização da classe artística, constituindo episódio fundamental no processo de fortalecimento da repressão que culminou com o fatídico AI-5, em 1968. Solto, o designer acabaria na clandestinidade, mas, diferentemente de alguns parceiros, escondeu-se em território nacional, numa espécie de "inxílio" (um dos vários neologismos que sua mente caótica criou) no pequeno município de Ubaíra (BA).
Silenciado, Rogério Duarte tornou-se adepto do movimento Hare Krishna e organizador de torneios de xadrez. Mas não deixou de ter algumas incursões pelo universo artístico. Só foi se calar definitivamente ao morrer, em 2016 – felizmente, depois de abrir sua casa (e sua gaveta de memórias) à câmera de José Walter Lima.
O filme usa seu longo depoimento como fio condutor de uma narrativa que invoca imagens de arquivo e, além disso, dá voz a algumas de suas últimas provocações – entre as quais uma barraca de formato poligonal que se contrapõe à banalização arquitetônica da contemporaneidade e, segundo ele, serviria de cama no dia a dia e túmulo no momento de sua morte. Ao fim, em números musicais simples, concebidos para o próprio filme, Caetano Veloso canta Gayana, composta por Duarte, e Gilberto Gil apresenta Não Tenho Medo da Vida, que ele próprio compôs inspirada em Rogério Duarte.
São momentos bonitos de um filme-homenagem que exalta a vida de um artista fundamental, embora nem sempre reconhecido, e que, evocando Glauber Rocha – autor da frase "Por trás de todos nós está Rogério Duarte" –, ficará como testamento de toda uma geração que mudou definitivamente a produção cultural brasileira.
Rogério Duarte, o Tropikaoslista
De José Walter Lima
Documentário, Brasil, 2017, 90min.
Em cartaz em Porto Alegre na Sala Eduardo Hirtz da Cinemateca Paulo Amorim.
Cotação: bom.