Hollywood declarou no último domingo (7) no Globo de Ouro guerra ao assédio sexual e ao abuso de poder na indústria do entretenimento. As denúncias de assédio e estupro contra o antes poderoso produtor Harvey Weinstein revelaram uma cultura praticada por importantes personalidades da indústria, como Kevin Spacey, Brett Ratner, Dustin Hoffman e James Toback. Várias investigações policiais foram abertas, mas ninguém até agora foi processado.
A atriz indicada ao Oscar e apresentadora de TV Oprah Winfrey foi quem fez o discurso mais contundente da noite. Ao agradecer o prêmio honorário Cecil B. Demille, ela saudou o movimento #MeToo ("EuTambém"), que rapidamente ganhou força após as primeiras denúncias contra Weinstein, discursou sobre racismo, desigualdade de gênero e assédio ao ser premiada com o Cecil B. DeMille Award no evento.
– Eu me inspiro em todas as mulheres que tiveram o poder e a força de compartilhar suas experiências pessoais – disse, sob aplausos. – O tempo dos abusadores já acabou – decretou Oprah.
Homenageando Recy Taylor, afro que ousou denunciar no mês passado, pouco antes de completar 98 anos, o estupro coletivo de que foi vítima em 1944 por parte de homens brancos, Oprah condenou "uma cultura quebrada por homens brutalmente poderosos".
– Por muito tempo, as mulheres não foram ouvidas ou tiveram crédito quando ousavam falar a verdade sobre o poder desses homens. Mas a hora delas chegou. A hora delas chegou! – declarou Oprah à plateia, enquanto o público a aplaudia e alguns, inclusive, chegaram às lágrimas.
– Então, quero que todas as meninas que estão nos assistindo agora saibam que há um novo dia no horizonte. E quando finalmente esse dia nascer, será por causa de muitas das mulheres magníficas, muitas das quais estão aqui nesta sala esta noite, e alguns homens especialmente fenomenais, que lutam duro para assegurar que elas se tornem as líderes que nos conduzam a um tempo em que ninguém nunca mais tenha que dizer "eu também" de novo – afirmou Oprah.
Blecaute no tapete vermelho
O Globo de Ouro abre a temporada de prêmios, sendo, portanto, a primeira vez que as grandes estrelas se reúnem desde que veio à tona o escândalo sobre o antes prestigiado produtor, Harvey Weinstein, há três meses.
A maioria dos convidados vestiu preto no tapete vermelho, em sinal de repúdio ao casos de assédio e em solidariedade às vítimas. O uso das roupas pretas era em apoio ao movimento Time's Up, que combate a discriminação não apenas em Hollywood, mas no país inteiro. A campanha mobiliza mais de 300 atrizes, diretoras e agentes, e já angariou US$ 14 milhões para ajudar vítimas de assédio sexual.
Diferentemente do que ocorre sempre nas premiações, quase não se falou sobre vestido, cabelo e maquiagem. Não havia clima para isso. Se nos últimos anos a campanha #AskHerMore já intimava jornalistas a consultar as atrizes sobre coisas menos frívolas do que roupas, desta vez, ninguém foi capaz de fazer a pergunta "de onde é o seu vestido?" – para a infelicidade das marcas de luxo, que emprestam tudo em troca da publicidade.
O debate sobre a equiparação do valor dos cachês entre homens e mulheres também foi levantado. Um pequeno broche escrito "50:50" reivindicava oportunidades iguais. Alguns atores demonstraram simpatia usando black-tie com a camisa preta. Atrizes como Meryl Streep levaram ativistas à premiação. No tapete vermelho, ela destacou que "as pessoas estão conscientes do desequilíbrio no poder".
– Temos direito a um ambiente de trabalho digno – destacou a atriz, ao lado de Ai-jen Poo, diretora de uma organização de defesa dos direitos das trabalhadoras domésticas.
Mudanças
Durante a cerimônia, o anfitrião Seth Meyers não perdeu tempo e abordou o tema logo na abertura da festa.
– Boa noite, damas e cavalheiros que restam. É 2018, a maconha finalmente foi liberada e o assédio sexual finalmente não é – disse o mestre de cerimônias ao saudar a plateia. – Para os indicados na sala esta noite, esta é a primeira vez em três meses que não será assustador ouvir seu nome sendo lido em voz alta – prosseguiu.
Não é de se impressionar, quando, na primeira premiação de 2018, organizada pela Associação de Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood, sejam elas as protagonistas, mesmo quando um homem é o escolhido como apresentador. Nas categorias dedicadas às produções televisivas, elas dominaram. Como esperado, The Handmaid's Tale, a série baseada no romance O Conto da Aia, de Margaret Atwood, se impôs. Era inevitável que desbancasse os blockbusters The Crown, Game of Thrones e Stranger Things na disputa de melhor série dramática.
Elisabeth Moss, que já havia sido um estouro com sua personagem forte e libertária em Mad Men – uma mulher à frente do seu tempo para a série de época –, recebeu seu segundo Globo da carreira com o protagonismo de The Handmaid's Tale. A cerimônia do Emmy, realizada ainda no ano passado, já havia funcionado como um termômetro e era quase certa a vitória de Elisabeth. Ao microfone, a atriz fez questão de lembrar os homens que trabalhavam na série.
– É desse tipo de homem que a indústria precisa – salientou. – Esse prêmio é para você, Margaret, que teve a força para falar sobre intolerância e justiça.
Nicole Kidman levou o primeiro prêmio da noite (melhor atriz em minissérie ou telefilme) por seu papel em Big Little Lies, que confirmou o favoritismo e faturou quatro das seis estatuetas a que estava indicada.
– Minha mãe foi uma defensora do movimento de direitos das mulheres quando estava crescendo e por ela estou aqui. Este personagem que fiz representa algo que é o centro da conversa agora mesmo. Acho e espero que podemos gerar mudanças através dessas histórias – ressaltou Nicole, ao receber a estatueta.
Colega de Nicole em Big Little Lies, Laura Dern integrou o time de grandes atrizes a levar, como par para a festa, uma ativista política. A atriz, por exemplo, tinha consigo no tapete vermelho Monica Ramirez, uma ativista política pelos direitos das trabalhadoras rurais latinas que vivem nos Estados Unidos. Laura foi também das mais incisivas no discurso ao microfone.
– Muitos de nós foram ensinados a não batalhar – discursou a atriz, em favor das mulheres e das minorias. –Foi a cultura do silêncio a ser normalizada. Eu suplico que nós não só apoiemos os sobreviventes que têm coragem suficiente não só para falar a verdade mas para promover justiça. Mas que possamos proteger e empregar essas pessoas.
Com sete indicações, A Forma da Água levou as estatuetas de melhor diretor para Guillermo del Toro e de melhor trilha sonora. Foi uma surpresa não ter havido nenhuma diretora indicada apesar do grande ano que tiveram Greta Gerwig (Lady Bird: A Hora de Voar), Patty Jenkins (Mulher Maravilha), Dee Rees (Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi), Kathryn Bigelow (Detroit em Rebelião) e Sofia Coppola (O Estranho que Nós Amamos).
Potencial concorrente ao Oscar, questionou-se o fato de Greta Gerwig, responsável por Lady Bird, não ser indicadas entre diretores.
– São só homens – alfinetou Natalie Portman, ao anunciar os indicados na categoria.
* AFP e Estadão Conteúdo