Os rigores e os horrores do estilo gótico não costumam ser facilmente associados ao sol do Mediterrâneo, mas esta é uma impressão que logo se desfaz diante de O Fantasma da Sicília, filme italiano que estreia hoje nos cinemas da Capital, em que o surreal se confunde com a imaginação e em que os maiores terrores têm muito pouco de sobrenatural.
O filme é dirigido por Antonio Piazza e Fabio Grassadonia, a mesma dupla que já havia dado uma feição toda própria às convenções do noir com sua estreia em longa-metragem, Salvo (2013), sobre um matador a serviço da Máfia que esbarra em uma testemunha cega durante a execução de um contrato de assassinato. Em O Fantasma da Sicília, é a vez de a dupla retomar o romance de formação adolescente e misturar a aspectos definidores do gótico para recriar um episódio da crônica policial siciliana e a força inescapável da organização criminosa à sombra da qual tudo parece existir na região – o verdadeiro "fantasma" local.
O Fantasma da Sicília enfoca os adolescentes Luna e Giuseppe. Ambos na faixa dos 13 para 14 anos, colegas de escola, nutrem um pelo outro um interesse que está perto de se desenvolver em namoro. Após saírem do colégio, ambos passeiam pela floresta que circunda a aldeia em que vivem. Inicialmente, Luna segue Giuseppe pela mata e o observa à distância, num plano que antecipa simbolicamente muito do que se verá adiante na história. Giuseppe, de temperamento despachado e exuberante, salva a tímida e introvertida Luna do ataque de um cachorro. Ambos saem para uma volta de lambreta e ele a leva até um haras local. Ali, se exibe para a moça montando a cavalo e saltando sobre as barreiras da pista. Os dois se beijam, e ela estende a ele uma carta. É aí que o idílio se esfacela. Enquanto ela espera que Giuseppe devolva o cavalo à estrebaria e troque de roupa, ele entra em um carro com um grupo de homens vestindo coletes com a identificação da polícia.
E desaparece.
Ocorre que o pai de Giuseppe, um ex-mafioso com amplas ligações com a estrutura da organização, está ajustando um acordo com a Justiça para entregar seus ex-comparsas, razão do sequestro de Giuseppe, levado a uma construção abandonada e mantido em cativeiro pelos mafiosos para que seu pai mude de ideia. Embora não se diga explicitamente, está claro que, na cidade pequena em que o rapaz vive, todos em volta parecem saber que seu desaparecimento deve ser envolvido em um véu de silêncio. Sua ausência na escola é justificada e aceita sem maiores atropelos, a polícia diz que o está procurando mas não há muitos esforços feitos de fato nesse sentido. É contra essa cortina de sigilo que o medo ergue diante da Máfia que a apaixonada Luna se insurge. Ela questiona sua professora, seus pais, os pais de Giuseppe, espalha panfletos com o rosto do rapaz pela cidade. Enquanto isso, Giuseppe, na construção abandonada, resiste à insanidade do cativeiro lendo e relendo continuamente a carta de Luna, que ele conseguiu manter consigo.
Embora a sinopse crua dê a entender um suspense como muitos outros, o tom adotado por Piazza e Grassadoria é totalmente outro. Contido, o filme opõe constantemente a figura frágil de Luna (vivida ferozmente pela estreante Julia Jedikowska) com a natureza antiga da região, vista tanto como lar quanto como um ambiente hostil e indiferente. A floresta do passeio inicial é também o espaço em que ambos são perseguidos pelo cão bravo. Em algum lugar dela também está a casa em ruínas em que Giuseppe (Gaetano Fernandez) está escondido, algo que Luna só vai perceber quando estabelece um contato surreal com o rapaz durante um passeio a um lago da região. O uso sábio dos silêncios que na verdade estão repletos dos sons naturais do ambiente também ajuda a compor essa fábula sombria em que o verdadeiro horror não vem do sobrenatural.