Menos de uma semana depois de sagrar- se como o grande vencedor do 45º Festival de Cinema de Gramado, Como Nossos Pais já entra em cartaz no país.
O drama familiar dirigido por Laís Bodanzky levou na premiação serrana do último sábado seis Kikitos: direção, atriz (Maria Ribeiro), ator (Paulo Vilhena), atriz coadjuvante (Clarisse Abujamra) e montagem.
O novo longa-metragem da cineasta de Bicho de Sete Cabeças (2000), Chega de Saudade (2007) e As Melhores Coisas do Mundo (2010) foi exibido antes no Festival de Berlim, na mostra Panorama, e também venceu o 19º Festival de Cinema Brasileiro de Paris. Como Nossos Pais gravita em torno de Rosa (Maria Ribeiro), protagonista em crise diante do papel socialmente imposto de supermulher contemporânea, que deve dar conta da relação com o marido, educar os filhos, sustentar a casa e ainda lidar com os conflitos com a própria mãe.
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O filme começa mostrando um almoço dominical em família ao mesmo tempo corriqueiro e tenso. Em meio a trocas de pratos e farpas, a matriarca Clarice (Clarisse Abujamra) faz uma revelação à mesa que desconcerta especialmente Rosa, amargando ainda mais a relação entre mãe e filha. A confissão da ex-socióloga de espírito libertário, seguida mais tarde por outro segredo compartilhado igualmente impactante, atua em Rosa como um estopim para detonar o enfrentamento de vários aspectos instáveis da vida da personagem – como o casamento com Dado (Paulo Vilhena), antropólogo que vive viajando a trabalho em aldeias indígenas, a criação das duas filhas, o emprego frustrante e o vínculo frágil com o pai, o artista plástico viajandão Homero (Jorge Mautner em deliciosa autoparódia).
– A vida da gente não precisa ser trágica para ser dramática. Os pequenos dramas como a relação com o marido e os filhos já são suficientes. Sempre quis trabalhar com Laís, ainda mais fazendo uma protagonista de 40 anos, o que é muito raro no Brasil, ainda mais em um tema que não é sobre uma grande desigualdade social no país. É um "filme argentino", como a gente brinca – disse Maria Ribeiro em entrevista a Zero Hora em Gramado.
Da mesma forma que nos trabalhos anteriores de Laís Bodanzky, Como Nossos Pais leva a assinatura do roteirista Luiz Bolognesi. Desta vez, porém, a diretora afirma ter invertido os papéis com o ex-marido: ela concebeu o roteiro, ele finalizou o material. Como Nossos Pais ainda replica outra característica dos filmes de Laís: a homogeneidade de boas atuações do elenco.
O trio de intérpretes premiado em Gramado interage com sensibilidade e verossimilhança em cena – a atuação sempre segura de Clarisse Abujamra é uma marca dessa atriz de exceção. Já Maria Ribeiro entregou-se com empenho ao que considera com justiça o papel de sua vida, expressando a complexidade e as contradições de sua personagem à procura de um lugar entre a geração que a antecedeu e a que a sucedeu e de afirmação em uma sociedade duramente exigente com as mulheres:
– A Rosa tem uma coisa combativa que eu também tenho. Gostaria de ter menos, porque cansa. Ela está o tempo todo se questionando e questionando os outros.
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ENTREVISTA LAÍS BODANZKI, diretora
Qual é sua expectativa com o filme?
Eu fiz esse filme para falar sobre a mulher contemporânea brasileira. Espero que haja uma identificação da plateia com esse filme. Quem já viu o filme ou trechos dele vem me perguntar: "Como você sabe da minha vida?". (risos)
Você acredita que o público vai se identificar com as questões de Como Nossos Pais?
Rola uma identificação que está no ar, mas que a gente não tem muita coragem de falar disso em público. Mas acho que a gente precisa falar, até para transformar esse formato de família monogâmica que foi imposto há milênios e que a gente aceita como sendo o padrão. Qualquer coisa fora disso parece uma anomalia, e a gente tem medo de ousar. Nossa protagonista faz isso, bota um ponto de interrogação dizendo: "Não está bom para mim, não estou satisfeita. Não sei qual é a solução, mas eu quero mudar". Quando o filme passou em Berlim, achei que eles fossem considerar careta. Mas não: eles têm os mesmos problemas familiares lá. O movimento hoje das mulheres no mundo todo é o mesmo, de uma forma solidária. Tem uma frase que circula por aí na qual eu acredito muito: "Mexeu com uma, mexeu com todas".
Em que medida os atores contribuíram na construção dos personagens ou mesmo na história do filme?
Eu dou liberdade para que eles transformem os diálogos na sua forma pessoal de dizer. Ao mesmo tempo, sou muito rigorosa com o roteiro. Dei mais liberdade para o personagem vivido pelo Jorge Mautner. Não podia dizer para ele falar exatamente o que estava escrito, porque daí não faria sentido ter convidado ele, né? Convidei o Mautner porque, além de ser um grande artista, ele é um livre-pensador.