"A primeira semana foi a mais difícil, ele sabia que eu estava preocupada e impaciente. Você não quer envolver questões pessoais durante o trabalho, mas precisávamos conversar e aceitamos que o melhor a fazer era sermos completamente honestos um com o outro". Angelina Jolie fez essa afirmação ao jornal britânico Daily Express à época do lançamento de À beira-mar, filme de 2015 que a atriz dirigiu e estrelou com seu marido, Brad Pitt.
O fato de o longa-metragem, com roteiro de Angelina, contar a história de um casal em profunda crise existencial e afetiva fez muita gente especular o quanto de vida real havia naquela ficção. A atriz falava que a trama incorporava mais lembranças do fim do casamento de seus pais do que elementos de seu próprio relacionamento. Com o anúncio do fim do casal Brangelina, nesta terça-feira, À beira-mar, que não alcançou repercussão muito positiva junto a público e crítica, voltou a ser citado como exemplo de arte que imita a vida – ou vice-versa.
Veja abaixo o texto publicado por ZH à época de lançamento do filme no Brasil.
Em sua curta trajetória como diretora, a atriz Angelina Jolie tem buscado temas que iluminem personagens perseverantes diante de provações: a saga de uma mulher na Guerra da Bósnia, em Na terra de amor e odio (2011), a resistência de um soldado americano feito prisioneiro pelos japoneses na II Guerra,em Invencível (2014), e, agora, em À beira-mar, a jornada de um casal para salvar o relacionamento que se desmancha na infelicidade.
No filme em cartaz nos cinemas, Angelina protagoniza com seu marido, Brad Pitt, uma história ambientada nos anos 1970. É evidente a ambição da diretora e atriz em emular o clima existencialista consagrado por Michelangelo Antonioni e outros cineastas europeus nas décadas de 1950 e 1960. É um passo largo e nada modesto, convenhamos, mas Angelina vence o desafio apresentando um longa que mostra problemas em suas mais de duas horas de duração – de ritmo e de foco, sobretudo –, porém indica que tanto ela quanto seu parceiro de vida e trabalho não são de estacionar na zona de conforto que costuma amortecer as carreiras de grandes estrelas do cinema. São, ambos, daqueles que preferem o risco de, por vezes, atrelar seus nomes a projetos que são como objetos estranhos na milionária linha de produção e entretenimento que representam.
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À beira-mar apresenta Angelina e Pitt como Vanessa e Roland, casal que deixa Nova York para passar uma temporada num vilarejo francês às margens do Mediterrâneo (embora a locação tenha sido a ilha de Malta). Ele é um famoso escritor alcoólatra que busca no bucólico refúgio a inspiração para romper o bloqueio criativo e dar partida em um novo livro. Ela é uma ex-bailarina tombada pela depressão. Roland tem a esperança de que a viagem tenha efeito terapêutico no casamento, já que Vanessa se mostra cada vez mais arredia ao contato físico.
Nesse primeiro contato com os personagens, À beira-mar é bastante eficiente na reprodução do enfado existencial que também paralisa ricos, lindos e famosos. A bela fotografia de Christian Berger (parceiro de Michael Haneke em projetos como Caché e A fita branca) e a discreta trilha sonora de Gabriel Yared valorizam sobremaneira o contraste entre o clima alegre e solar do vilarejo e a sombria e fria convivência dos protagonistas.
Brad Pitt compõe seu personagem lembrando bastante a imagem consagrada pelo escritor Ernest Hemingway – alterna seu temperamento entre o afeto e fúria conforme as doses de gim que entorna no bar local. O tom da interpretação de Pitt parece mais adequado ao filme do que o mostrado por Angelina, que deixa escapar alguns exageros nas caras e bocas para sublinhar a desintegração psicológica de Vanessa. Detalhe que vale destacar: ambos falam em francês com seus interlocutores.
Autora do roteiro, Angelina lança em À beira-Mar um ponto de virada. É quando entram em cena os recém-casados François (Melvil Poupaud) e Lea (Mélanie Laurent), vizinhos de quarto no hotel que, com sua juventude, felicidade e alta voltagem sexual ressaltam a falência afetiva e o desencanto de Roland e Vanessa. A aproximação dos dois casais é um recurso que o roteiro busca sem maior sutileza para fazer Vanessa sair do torpor. Ela se torna voyeur daquela apaixonada relação e faz Roland embarcar nesse jogo de observação.Em princípio excitante, o contato com os jovens logo se abrirá ao risco.
A necessidade que Angelina tem de explicar e justificar o que poderia ficar nas entrelinhas e no subliminar mostra que seu “filme europeu” tem traços do DNA da Hollywood convencional, que impõe na trama uma desnecessária e forçada relação de causa e efeito. Mas, no conjunto da intenção e da realização, À Beira-Mar aponta que o passo largo e ambicioso de sua diretora tem um rumo.