Era início dos anos 1950 e o Rio Grande do Sul não tinha um museu de arte. Só os que registravam a história e os costumes do Estado. Quando as pessoas queriam ir a uma exposição ou um artista queria mostrar seu trabalho, recorria-se aos grandes salões de arte promovidos em Porto Alegre pelo Instituto de Belas Artes, o Iba. No centro do país, influenciado por uma Europa que há muito já tinha museus destinados à contemplação de expressões artísticas, recém haviam sido criados o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), em 1947, e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Mam), em 1948.
Pintor vindo da capital paulista para lecionar no Iba, atual Instituto de Artes da UFRGS, Ado Malagoli achava que os gaúchos também precisavam de um local público cujo foco fossem as obras de arte. Diretor da Diretoria de Artes, um braço da então Secretaria Estadual de Educação e Cultura, ele convenceu o governo estadual. Em 27 de julho de 1954, é publicado um decreto que cria o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs).
— Porto Alegre era uma capital rica, com uma economia importante. Tinha a segunda maior editora do Brasil, a Editora Globo. Muitos autores vinham publicar aqui. Tínhamos a maior companhia aérea do país, a Varig. Mas faltava justamente um museu de arte, e este foi o projeto do Malagoli — diz Paula Ramos, crítica, historiadora de arte e professora do Departamento de Artes Visuais da UFRGS.
O Margs foi inaugurado somente em 1957, no foyer do Theatro São Pedro. Ali começava a receber exposições grandiosas, como a mostra de Candido Portinari. Na década de 1970, com o teatro fechado para reformas, o acervo do museu é deslocado para uma sala no antigo Edifício Paraguay, na Salgado Filho. A conquista da sede fixa ocorreu em 1978, quando o presidente militar Emílio Garrastazu Médici cedeu o prédio da Delegacia Fiscal do Tesouro Nacional, construção notável de Theo Wiederspahn erguida em 1914 na Praça da Alfândega.
Presente
Acomodado em um dos lugares mais democráticos de Porto Alegre, o Margs se consolida como um museu de arte capaz de provocar reflexões sobre passado, presente e futuro. Nunca teve pretensão de ser referência em grandes obras dos maiores artistas da história, nem um lugar de vanguarda que adianta o que está por vir.
Mas se tornou um museu representativo das artes plásticas gaúchas desde a metade do século 19. Estão ali obras de Pedro Weingärtner, João Fahrion, Cristina Balbão, Xico Stockinger, Vasco Prado, Iberê Camargo, Maria Lídia Magliani, entre outros. Inclusive artistas estrangeiros e nacionais.
— Não temos condições financeiras de ter um grande museu de arte internacional, mas temos o melhor museu do mundo de arte do Rio Grande do Sul. E isso não é pejorativo. É realmente um museu com o melhor da produção de arte no Estado — frisa Paulo Gomes, crítico, historiador de arte e professor do Instituto de Artes da UFRGS.
O acervo próprio é composto de 5,8 mil obras, a maioria pinturas, esculturas, desenhos e gravuras. Boa parte foi doada. Sem orçamento exclusivo para aquisições, o Margs, mantido pela Secretaria Estadual da Cultura (Sedac), depende de benfeitores que queiram doar novas peças ou artistas que aceitem deixar alguma como legado. Algumas compras são feitas com recursos repassados pela Associação de Amigos do Margs ou quando o museu submete um projeto a edital.
— Não há transferência de recursos do Estado. Cabe ao museu buscar o dinheiro necessário para viabilizar compras de obras de arte, exposições e ações educativas — explica Francisco Dalcol, diretor-curador do Margs desde 2019.
A ausência de verba específica é um problema para um museu público que busca garantir a atualização de seu acervo, considera Paula Ramos.
— Não ter dinheiro para aquisição de obras é muito ruim. Porque o museu fica refém das doações. Muitas vezes, os artistas oferecem obras que não são as ideais para o museu. Mas isso acontece em vários lugares do mundo — diz.
Futuro
Alagado pela enchente de maio, o Margs permanece fechado para reformas. Parte do acervo que ficava armazenada no térreo foi atingida pela água e passa por restauro. Segundo Dalcol, centenas de obras foram molhadas, a maioria gravuras. Se depender dele, as peças nunca mais serão mantidas naquele lugar. Agora, repousam nos andares superiores.
Nos últimos anos, o Margs tem feito um esforço para trazer para dentro do museu as principais discussões sociais, como debates sobre raça e gênero. Uma forma de não ficar alheio à sociedade em transformação.
— Propomos pautas sobre inclusão e representatividade de artistas mulheres, indígenas e negros. É uma tentativa de acertar o passo do Margs com o que outras instituições importantes vêm fazendo e uma forma de evitar que o museu fique num vácuo temporal, só falando de suas obras-primas, suas "Monalisas" — argumenta Dalcol.
Tornar o Margs mais inclusivo sempre será um desafio. Totalmente gratuito e mantido com recursos do Estado, o museu ainda é visto como um lugar exclusivo para uma elite intelectual. Para Paula, é imprescindível investir em acolhida e divulgação.
— Muitas pessoas têm vergonha de entrar em um museu porque acham que não vão entender ou porque não estão vestidas de forma adequada. Se tiverem a sorte de entrar no museu e ser bem recebidas, sem se sentirem constrangidas ou observadas como se fossem estranhas, elas voltam.
Exposição comemorativa na Fundação Iberê
- Fechado para visitação, o Margs terá seus 70 anos celebrados na Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2.000), em Porto Alegre, com a mostra Iberê e o Margs: Trajetórias e Encontros.
- Com abertura neste sábado (27), às 14h, a exposição traz 86 obras de Iberê Camargo pertencentes aos acervos das duas instituições, que assinam a realização em parceria. A curadoria é de Gustavo Possamai e Francisco Dalcol.
- A visitação segue até 24 de novembro, de quinta a domingo, das 14h às 18h30min (último acesso às 18h). Até o final de agosto, a entrada é franca.