Nesta terça-feira (23), a Polícia Federal (PF) apreendeu 300 obras de arte em um apartamento de Alberto Beltrame no Centro Histórico de Porto Alegre. O gaúcho é secretário de Saúde no Pará e está sendo investigado por uma suposta fraude na compra de respiradores.
A partir das imagens divulgadas pela PF, em que é possível observar cerca de 70 itens, especialistas convidados por GaúchaZH identificaram com certa facilidade prováveis trabalhos de artistas de projeção nacional, como Djanira e Vicente do Rego Monteiro, e também cogitaram que duas gravuras possam ser de Di Cavalcanti e uma tela seja de Burle Marx. Ainda é preciso verificar a autenticidade de todos os itens.
A PF divulgou que um especialista estimou o valor dos trabalhos em R$ 20 milhões, e até a Secretaria de Cultura do Estado pediu a transferência do acervo para o Margs. Nos entanto, avaliadores apontam que a expectativa em torno da apreensão precisa ser relativizada.
— É um acervo banal, normal para alguém que compra e gosta de arte. Conheço dezenas de apartamentos e casas em Porto Alegre e em Caxias do Sul que têm conjuntos de qualidade similar ou superior — pondera o professor José Francisco Alves.
Alves presta consultoria a colecionadores do Rio Grande do Sul. Segundo ele, há diversos advogados, diplomatas, empresários e médicos com acervos divididos entre cômodos, banheiros e jardins. Ele ainda aponta que não classifica como uma coleção a reunião de trabalhos que viu pelas fotos.
— Em arte, chamamos de coleção o resultado de quem compra coisas relacionadas entre si, muitas vezes sob orientação. Acervo é quem vai comprando pelo impulso obras desconectadas – explica Alves.
Para que o acervo atingisse o valor de R$ 20 milhões, cada uma das 300 obras teria que valer, em média, R$ 66 mil. Alves, no entanto, aponta que muitos quadros e gravuras, mesmo originais, não valeriam mais que R$ 1,5 mil.
Segundo o dono de uma galeria de Porto Alegre que não quis se identificar, o único trabalho visto nas imagens que pode valer um montante mais expressivo seria uma tela atribuída a Burle Marx:
— Ainda tenho dúvida de que seja de fato um Burle Marx, mas se for, consegue arrancar em um leilão a partir de R$ 300 mil.
O galerista ainda afirma que dificilmente outro trabalho visto nas fotos alcançaria valor superior a R$ 80 mil. Dos artistas locais, o icônico autorretrato de Aldo Locatelli talvez seja o mais valioso, mas não deve ultrapassar a casa dos R$ 50 mil.
— Há pouco tempo presenciei a venda de um quadro do Ado Malagoli com as mesmas dimensões daquele que aparece em uma foto imediatamente abaixo de autorretrato do Locatelli. Saiu por R$ 8 mil — conta o galerista.
Pela internet, antiquários oferecem originais certificados de artistas como Waldeny Elias, Juarez Machado e Reynaldo Fonseca, que figuram repetidas vezes nas paredes do apartamento, por valores entre R$ 800 e R$ 1,3 mil.
— Sem dúvida é uma coleção de quem gosta de arte, mas não é um acervo de peso — resume o galerista.
O futuro do acervo
A Secretaria de Cultura do RS encaminhou para a PF, no mesmo dia da apreensão, um ofício pedindo que o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) se tornasse o fiel depositário do acervo apreendido.
Em entrevista ao programa Gaúcha+, nesta quarta-feira (24), a secretária Beatriz Araújo admitiu que o Estado não tem uma estimativa do valor das obras. No entanto, ressaltou que um técnico ligado à secretaria analisou a apreensão e confirmou a autenticidade dos trabalhos.
– É um acervo valioso, que deve estar acondicionado de maneira adequada. E o Margs está plenamente preparado para isso, com segurança, temperatura e ambiente adequados. Oportunamente, também será possível exibir esses trabalhos à comunidade – afirmou Beatriz.
Apesar de não ser considerada por especialistas como “um acervo de peso”, a coleção apreendida pode conter trabalhos de importantes artistas brasileiros que ainda não têm trabalhos no Margs, como Djanira e Vicente do Rego Monteiro. Além disso, poderá incrementar a já robusta coleção de artistas locais com itens de Aldo Locatelli, Ado Malagoli e Pedro Weingärtner.
Segundo a Secretaria, o pedido de transferência para o Margs aguarda deferimento do Superior Tribunal de Justiça. Não há uma data estimada para o pleito ocorrer.