O jornalista Paulo Palombo Pruss, que já publicou obras sobre memórias da capital gaúcha, está finalizando, juntamente a Rafael Fleck, advogado que também se interessa por pesquisa sobre nossa cidade, o livro Aconteceu em Porto Alegre – A cidade parou. Abaixo um dos episódios que será abordado.
Era 4 de janeiro de 2002, uma sexta-feira normal – isto é: verão intenso em Porto Alegre. O rush da manhã já estava diminuindo, era perto das 9h.
O táxi lotação Linha Santana, que ia ao centro da cidade, nesse horário, estava passando pela Avenida Osvaldo Aranha, próximo ao Pronto Socorro Municipal, no bairro Bom Fim. A cidade tinha, e tem, muita tradição em serviço de lotações; funcionavam mesmo antes dos anos 1960; porém, depois de extintos, retornaram com força total em maio de 1977, com as tradicionais “Kombis”, que logo se tornaram um meio de transporte alternativo, entre os ônibus e os táxis, além é claro da característica visual que ainda está na memória de muitos porto-alegrenses: as “velhas” Kombis vermelhas e azuis, circulando pela cidade.
Em 2002, já não eram mais as Kombis, e sim os micro-ônibus – maiores, mais confortáveis, com ar-condicionado. Naquela manhã, o lotação de prefixo 350 circulava na Osvaldo Aranha e, em seu interior, distraídos passageiros conversando entre si, ou olhando pela janela, alguns com olhos fechados tentando aproveitar o “restinho” de descanso antes da labuta diária, quando ouviram: “Dirige, dirige, não para, toca para o Banco Central, só para quando eu mandar, não faz nenhum sinal”.
O aviso foi dado por um homem encapuzado, vestindo camisa branca, com um revólver na mão direita e uma mochila nas costas. Estava começando o drama em que nas próximas 27 horas viveriam dentro do lotação os oito passageiros, mais o motorista, além do sequestrador, portanto, 10 pessoas.
Os primeiros momentos foram traumáticos, nervosos, e mais fortes ainda do lado de fora, quando a polícia percebeu o que realmente estava acontecendo: um sequestro.
O motorista estava sob ameaça de um revólver contra seu pescoço. Chegando ao Centro, o sequestrador já havia anunciado que não roubaria os passageiros, mas portava uma bomba amarrada em seu corpo, inclusive havia mostrado o artefato. Anunciou, ainda, que havia mais quatro bombas em shoppings de Porto Alegre.
Ao chegar ao Banco Central, o sequestrador mandou seguir em frente. O motorista entrou, então, na contramão de uma rua em clara tentativa de chamar atenção. Um guarda de trânsito logo percebeu o que acontecia. Houve alguns tiros por parte da polícia, a tensão era total, o objetivo eram os pneus, que, mesmo furados, não impediram o lotação de se deslocar lentamente, conforme ordens do sequestrador que tinha se identificado como Paulo.
O lotação voltou à Av. Osvaldo Aranha, porém, agora, no sentido centro-bairro, onde parou em frente ao tradicional Instituto de Educação. A notícia já se espalhara e todos acompanhavam o desenrolar dos fatos.
Rodolfo Pacheco, o mais especializado profissional da Brigada Militar para casos de negociação de sequestro, comandante do Batalhão de Operações Especiais, estava em casa, em férias, mas logo se dirigiu ao local e assumiu a negociação. No comando da operação estava o coronel Tarso Antônio Marcadella. Com negociações, o sequestrador liberou quatro pessoas em troca de comida, conserto dos pneus e água. O lotação cercado, as cortinas fechadas. Os liberados eram os mais idosos.
A quarta vítima libertada saiu do lotação às 10h de sábado. A polícia já tinha entregue um celular ao sequestrador, que exigia, no primeiro momento, R$ 500 mil e um helicóptero para a fuga. Mais tarde, as exigências trocaram, o valor passou para R$ 300 mil e um carro-forte seria o suficiente.
O sequestrador era auxiliar de cozinha, desempregado, 27 anos, tinha duas filhas, não tinha conseguido dar nada de presente no Natal e tinha rezado junto aos reféns.
No lotação, aumentava o drama com o calor, as necessidades fisiológicas, além das ameaças do sequestrador de dar um tiro na cabeça. Com a chegada de um irmão, a negociação evoluiu e deu-lhe a segurança que necessitava.
O encerramento do drama se deu às 12h de sábado, com a presença do então secretário de Segurança, José Paulo Bisol. Paulo, com um colete à prova de balas, se entregou, os últimos reféns, extenuados e traumatizados, após 27 horas foram, finalmente, liberados.
O sequestrador foi condenado a 14 anos de prisão, mas, devido a transtornos mentais, a prisão foi substituída por internação no Instituto Psiquiátrico Forense. Os explosivos amarrados em seu corpo eram falsos. Marina Motta Pessin, uma das reféns, que estava acompanhada pela sogra no momento do sequestro, um ano após publicou o livro 27 Horas – O Drama do lotação, pela Editora Alcance.