Estamos no ano do centenário da terceira e última guerra civil rio-grandense – a Revolução de 1923, que deixou um saldo de mais de mil mortes (antes, os gaúchos haviam se envolvido em lutas fratricidas na Revolução Farroupilha, de 1835 a 1845, e na Revolução Federalista, também denominada Revolução da Degola, de 1893 a 1895). Desta vez, de um lado, estavam os chimangos, partidários de Antônio Augusto Borges de Medeiros, que usavam lenços brancos no pescoço. Na trincheira oposta, os maragatos, aliados de Joaquim Francisco de Assis Brasil, com lenços vermelhos.
O primeiro evento sobre o centenário da Revolução de 1923 vai acontecer na quarta-feira (25), a partir das 18h, na Casa de Cultura Juarez Teixeira (CCJT), em Caçapava do Sul, na região centro-sul do Estado. Será uma mesa-redonda sobre “memórias, narrativas e imaginário” do confronto sangrento. A escolha da data não é casual. Coincide com dia e mês no qual, há cem anos, Borges de Medeiros (natural de Caçapava do Sul), líder do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), tomou posse para seu quinto mandato consecutivo à frente do governo do RS, o que – sob a alegação de fraude nas urnas – desencadeou a rebelião armada com o comando do candidato derrotado, Assis Brasil, do Partido Federalista.
Os combates se estenderam até dezembro, quando foi assinado o Pacto das Pedras Altas, na estância de Assis Brasil. Pelo acordo, Borges cumpriria o mandato até 1928, quando se extinguiria o instituto da reeleição. Curiosamente, após isso, por muitas décadas, mesmo com o retorno da possibilidade de buscar novo mandato, ninguém mais se reelegeu para o governo do Estado. O tabu foi rompido há menos de três meses, com a vitória de Eduardo Leite nas urnas, em 2022.
Diferente das guerras civis anteriores, a de 1923 foi retratada na literatura e no cinema em seu próprio tempo histórico. Não é por outro motivo que o encontro de Caçapava do Sul vai analisar livros como Antônio Chimango – Poemeto campestre, de Amaro Juvenal – pseudônimo do político, médico e jornalista Ramiro Barcelos. Lançado em 1915, é um poema que satiriza a figura de Borges de Medeiros. Bem que o governante tentou apreender os exemplares, mas não conseguiu evitar que circulassem clandestinamente. A partir daí, os adeptos do borgismo passariam a ser designados como “chimangos”.
Já pouco depois do cessar-fogo, foi exibido o filme documental A Revolução de 1923, realizado por Benjamin Camozato, no elegante Cine Theatro Coliseu, na Praça Oswaldo Cruz, na Capital. Na imprensa, foi apresentado como o “único filme autêntico e imparcial da revolução”. Não é o caso do Álbum dos Bandoleiros, de Fernando Barreto e Carlos Horácio Araújo, publicado em janeiro de 1924, com 252 fotos que mostravam os maragatos como “heróis de 23”. Devido ao grande sucesso editorial, o álbum foi reeditado em abril daquele ano, com tiragem de 20 mil exemplares, trazendo novos textos e registros fotográficos.
Promovido pela CCJT e o Projeto Doble Chapa, com apoio da Unipampa, Projeto Geoparque Caçapava Aspirante Unesco e prefeitura municipal, a mesa-redonda sobre o centenário da Revolução de 1923, em Caçapava do Sul, terá a participação de José Francisco Botelho, Euclides Torres, João Batista Henriques e João Timotheo E. Machado, com coordenação de João Alberto D. Santos. A entrada é franca.