Era um casarão amarelo, que antes havia abrigado um açougue, na Avenida Venâncio Aires, quase esquina com a Rua Santana. Ali foi aberta a primeira sede do Departamento de Arte Dramática (DAD) da UFRGS, em 1957. Hoje, já demolido, o prédio vive apenas nas reminiscências dos que lá passaram boa parte da juventude, como a atriz Haidée Porto, que ingressou no curso em 1968:
— A sala da frente tinha um banco comprido, de madeira escura, desses de igreja. De dia, a gente saía para fazer passeata, comícios, vigílias, fugia da polícia, apanhava, voltava, tomava muito cafezinho e fumava muito cigarro. De noite, no palco da escola, tentávamos, com a voz e o corpo, mostrar que existíamos, sim — contou Haidée, na revista Cena, publicada pelo DAD.
No último dia 30 de dezembro, a unidade de ensino completou seis décadas e meia de existência e, para marcar a data, foi lançado o Projeto DAD 65 Anos — a proposta é reconstituir, ao longo de 2023, a trajetória de um dos mais antigos polos de formação de artes cênicas do Brasil. Com direção de Vinícius Cáurio e Reissoli Moreira e apoio do FAC Patrimônio (da Secretaria de Cultura do Estado), a iniciativa abrange livro historiográfico (lançamento em maio de 2023), exposição fotográfica (abertura em 20 de março, na Cinemateca Capitólio), podcasts (disponíveis na plataforma Mixcloud) e masterclass proferida por ex-professores (em 18 de abril, no Instituto de Artes).
Quando surgiu, o DAD foi um sopro de inovação no ambiente cultural da Capital. No discurso da aula inaugural, Luiz Pilla — diretor da Faculdade de Filosofia, à qual estava subordinado (hoje vincula-se ao Instituto de Artes) — disse que a escola da UFRGS estava sendo criada para propiciar o “arejamento da imaginação da província”. A instalação do curso atendia aos anseios de profissionalização de grupos locais, como Teatro do Estudante, Clube do Teatro, Teatro de Equipe, Comédia da Província e Teatro Universitário, onde despontavam jovens artistas, a exemplo de Walmor Chagas, Fernando Peixoto, Paulo José, José Lewgoy, Antônio Abujamra, Lilian Lemmertz e Paulo César Pereio, que ganhariam projeção nacional na década seguinte. Para dirigi-lo, foi convidado o italiano Ruggero Jacobbi, que havia introduzido no Brasil a linguagem da commedia dell’arte em peças do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), de São Paulo.
Em 1969, o DAD foi transferido para outro casarão — descrito como “mal-assombrado” e de “atmosfera gótica” pelo dramaturgo Ivo Bender —, na Avenida Senador Salgado Filho, no Centro, onde se encontra até hoje, acrescido de prédio anexo na Rua General Vitorino. Até meados dos anos 1970, a escola produziu espetáculos com a participação de alunos e direção de professores, que permaneciam em cartaz por até três meses, com sucesso de público e crítica. O repertório abrangia desde clássicos como Sófocles, Shakespeare, Goethe, Molière, Brecht e Garcia Lorca até autores nacionais como Martins Pena, Nelson Rodrigues e Jorge Andrade.
— Eram, ao mesmo tempo, laboratórios de experimentação dos alunos e elo da escola com a comunidade cultural da cidade — diz Juliana Wolkmer, responsável pela pesquisa do Projeto DAD 65 Anos.
O DAD também apresentou à plateia de Porto Alegre as ousadias do teatro de vanguarda. Em 1968, o aluno Luiz Arthur Nunes (hoje professor e diretor, radicado no Rio de Janeiro) montou Homem: Variações Sobre o Tema, um dos primeiros happenings encenados na Capital. O público entrava por um túnel acolchoado, que desembocava em uma espécie de bolha, com chão forrado de estopas e almofadas. As paredes de plástico branco haviam sido fixadas com percevejos, os quais furaram as “ricas e expressivas mãozinhas” das atrizes, como relatou Nara Keiserman, que integrava o elenco.
Atualmente, o DAD se concentra em atividades de formação e pesquisa acadêmica, tendência acentuada desde a criação do mestrado, em 2007, e do doutorado, em 2015. Em nível de graduação, oferece bacharelado em interpretação, direção e dramaturgia, além de curso de licenciatura.