Os problemas e incertezas na atividade profissional dos fotojornalistas são mais ou menos os mesmos. É engraçado constatar agora, mas não me lembro de ter pesadelos envolvendo questões profissionais quando era mais jovem – ou talvez andasse tão ocupado e exausto nos 40 anos em que exerci a profissão que não tinha tempo nem de me lembrar de sonhos. Mas, nos dias atuais, semiaposentado, não é incomum eu acordar recordando de angústias enfrentadas durante o sono. O mais curioso é que são problemas obsoletos, que já fizeram – e não fazem mais – parte da rotina de um repórter fotográfico. Filme despachado que não chegou ao destino, linha telefônica que cai durante a transmissão de fotos e por aí vai... Freud explica... ou deveria.
Uma das piores partes dessa maluquice é conviver com “traumas” reais, que continuam nos assombrando pela vida afora. Um dos maiores que sofri foi quando acabou a cobertura da Copa do Mundo do México, em 1986. Fotografei a partida final no Estádio Azteca. A Argentina venceu a Alemanha Ocidental por 3 a 0. A decisão ocorreu num domingo, e a Isto É – revista para qual eu trabalhava – já estava com a edição fechada, de modo que as fotos seriam publicadas somente na semana seguinte.
Trabalhei todo o tempo na linha de fundo do gramado. Após a vitória, já com a taça nas mãos, os jogadores argentinos iniciaram a volta olímpica. A confusão de fotógrafos era tamanha que decidi não entrar no bolo e resolvi atravessar o campo, pela linha divisória central, para esperar, do outro lado, a horda vindo de frente. Me dei bem! Quando se aproximaram, entrei no grupo decidido a fazer as fotos de que precisava. Nesse momento, a turma toda parou, e Maradona, portando a taça numa das mãos, e outro companheiro do time foram erguidos nos ombros dos outros jogadores argentinos. Avancei sobre eles e fiz as fotos. Ambos contra o céu, abraçados, e com o “caneco” ao alto, emoldurados pela curva da marquise do estádio de onde pendiam as bandeiras dos diversos países participantes da competição.
Eu sabia: era um fotão! Sem pressa, saí de lá e me dirigi ao centro de imprensa para proceder a revelação dos filmes positivos (ou slides) no laboratório oficial da fabricante Fuji lá instalado. Encaminhei as películas para processar e fui comer alguma coisa, já que não havia almoçado naquele dia.
Quando voltei e recebi meus filmes no balcão fiquei exultante. As fotos eram, de fato, sensacionais. Fui até cumprimentado por um colega gringo que deu uma espiada enquanto eu examinava o material numa mesa de luz. Saí feliz. No hotel, preparei meu pacote para enviar ao Brasil e fui dormir. No dia seguinte, meu trabalho foi entregue no guichê da Varig e embarcado como cortesia pelo mesmo funcionário diligente, que já me atendera outras vezes, no voo das 13h. Lá mesmo do aeroporto, embarquei com dois outros jornalistas para uma semana de merecidas férias na Ilha de Cozumel, depois daquela maratona de jogos e despachos.
Na semana seguinte, retornei ao Brasil nesse mesmo voo de segunda-feira. Ao chegar ao Rio, durante a conexão para São Paulo, fui animado e curioso até uma banca de jornais para comprar a revista e ver minhas fotos publicadas. Não havia sequer uma só foto minha na Isto É! A foto de Maradona com a taça que ali estava levava o crédito do querido amigo fotógrafo Sérgio Sade, da revista Placar. Nada entendi. Corri para o telefone para saber o que havia acontecido. Falei primeiro com Loraine, minha mulher, e, logo depois, acordei Eduardo Simões, editor adjunto de fotografia. Edu, então, me disse que ocorrera um rolo dos grandes e que depois me explicaria os detalhes. Obviamente, fiquei arrasado.
A história foi a seguinte: na semana anterior ao jogo final, sem que eu nada soubesse, o material por mim enviado da mesma forma de sempre (cortesia Varig) fora resgatado pela revista, em Congonhas, com atraso depois do escritório da Varig já ter fechado. O esperto motorista da revista convenceu um segurança a abrir a sala. Nada encontrando sobre as mesas, eles acabaram arrombando a gaveta de uma das mesas e acharam o pacote que foi levado à redação. Como não poderia ser diferente, o pessoal da Varig ficou “pê” da vida com o ocorrido. Assim, não sei quem, mas alguém, resolveu punir a revista dando sumiço no pacote da remessa da semana seguinte, o exato com as fotos do título argentino.
E eu? Nunca mais vi nem soube de nenhuma das fotos. Mesmo sem mais nenhum interesse da revista pelo material, ainda entrei em contato com a assessora de imprensa da Varig Sonia Duailibi, que não me recebeu nada bem. Disse-me que nós, da Isto É, “devíamos saber por onde andava o pacote, já que sabíamos arrombar gavetas”. Argumentei que, pessoalmente, não tinha nada a ver com o que havia acontecido e que meu interesse era tão somente recuperar um material histórico e superimportante para mim. Acabou não dando em nada. Como reclamar de uma “cortesia” não efetivada em função de tanta irresponsabilidade?
Reconheço que minha pobre família acabou pagando pelo meu mau humor nas semanas seguintes. Até hoje me incomodo ao me lembrar disso. Quando não resta o que fazer, a solução é se conformar.