Entre os anos 1960 e 1990, o casal de irmãos Delmar e Dea Mancuso foi protagonista da cena artística do Estado — ele se destacou como diretor e ator de teatro, além de pianista e declamador de poesia, enquanto Dea ganhou espaço como cantora erudita e popular.
Ambos também foram mestres na arte de ensinar — Dea, por exemplo, deu aulas de técnica vocal a mais de uma geração de cantoras e atrizes, como Adriana Calcanhoto, Nancy Araújo, Muni, Flora Almeida e Dinorah Araújo. Em outubro de 2020, quando a professora completou 90 anos de idade, Adriana Calcanhoto enviou um vídeo em homenagem a Dea, postado na página Bairro Petrópolis das Antigas, do Facebook.
Na infância, os irmãos nascidos em Porto Alegre moraram na Pensão Mancuso, da avó Filomena, na Rua da Praia. A certa altura, a família adquiriu uma área em meio à paisagem ainda rural do bairro Petrópolis. Dea não sabe dizer quando se mudou para o único chalé de madeira que resistiu ao tempo na Rua Souza Doca (onde está até hoje), mas tem certeza de que, ao completar 15 anos, já vivia ali. Lembra também que Delmar não tinha alcançado a maioridade quando se transferiu para São Paulo (tanto que a mãe precisou dar autorização para a viagem). Lá, ele trabalhou com grandes nomes do teatro brasileiro, como Maria Della Costa e Flávio Rangel. De todos, o amigo mais próximo era o ator Paulo Autran, figura assídua na casa dos Mancuso em Porto Alegre.
— Enchia a mãe de presentes, tinha loucura por ela — relata Dea.
Foi Autran quem pediu à atriz Elza Gomes que hospedasse Dea em sua casa no Rio de Janeiro, propiciando que também ela vivesse o ambiente artístico do centro do país. Por sinal, foi na cena carioca (no Teatro Princesa Isabel) que Delmar estreou, em 1966, o espetáculo Pasárgada, homenagem ao poeta Manuel Bandeira, outra amizade dos Mancuso.
De volta ao Estado, Delmar e Dea passaram a se apresentar com frequência em espaços como Theatro São Pedro — “era nosso chão”, diz Dea —, Salão de Atos da UFRGS e auditórios Araújo Vianna e Tasso Corrêa, além de escolas, sindicatos e até penitenciárias.
— Também viajávamos muito pelo Interior, eu cantando, Delmar declamando.
Entre tantos espetáculos de destaque, estavam Cantata Maria Jesus dos Anjos (1968), de Radamés Gnattali, e a adaptação para o teatro da lenda do Negrinho do Pastoreio (1972). Incursionavam tanto pelo gênero erudito quanto pelo popular, como demonstra o show Olá, Negro (1967), no qual a mezzo-soprano Dea canta repertório afro-brasileiro, com direção de Delmar, que fez História do Samba, em 1969, com participação da escola carnavalesca Praiana.
— Não cultivávamos qualquer tipo de esnobismo —diz Dea.
Em Petrópolis, as aulas não eram só para artistas, mas também para jornalistas, médicos e advogados — até dom Antônio do Carmo Cheuiche, bispo auxiliar de Porto Alegre de 1971 a 2001, frequentou o curso denominado O Quintal Promove por ser realizado no pátio da casa.
— Pedíamos aos alunos que viessem à vontade, mas tinha gente que aparecia de salto alto e se dava mal.
Até porque, às vezes, os aprendizes precisavam se afastar do pavão criado pelo irmão de Dea no quintal. Para evitar que a criatura fugisse, Delmar havia lhe cortado as asas. Com isso, “o tal do pavão parecia um cachorrinho”, relembra Dea, soltando uma risada. Em 2000, o livro A Voz: Variações Sobre um Mesmo Tema, iniciativa do Instituto Estadual de Artes Cênicas (Ieacen) para homenagear — com toda a justiça — os irmãos Mancuso, reuniu depoimentos de alunos e poemas de Delmar, que faleceu em 2016, aos 83 anos.