A noite de 31 de março de 1964 não seria uma noite comum. Ela fugiria da realidade do cotidiano e, mesmo sendo festiva, seu rumo marcaria de forma indelével e irreversível o destino social e político de uma família, de um povo, de uma geração. Seu início foi na comemoração de um aniversário na sede social do Grêmio Gaúcho, no final da Avenida Carlos Barbosa, quase na entrada da rua da antiga Vila dos Comerciários. Familiares, amigos, um número significativo de partidários políticos reunidos na homenagem ao aniversário do prefeito da cidade. (NR: o então prefeito, Sereno Chaise, nasceu em Soledade, no dia 31 de março de 1928).
Era uma festa política, mas transformou-se, de repente, em uma noite inquieta, com ideias confusas, pessoas falando alto, um clima que, de festivo, tornou-se pesado, enfumaçado, suspenso, com previsões desencontradas e fora da realidade. Lembro-me de que muita gente me cercou com notícias diferentes, abraçavam-me com receio. Não entendi. Procurei meus filhos, três crianças, e, no meio de discursos pela metade, um feliz aniversário meio entoado, um sopro rápido de velas de um bolo que era o mapa da cidade de Porto Alegre, fui para casa. Era a volta para os acontecimentos e a madrugada me pegou ouvindo um rádio com notícias do centro do país, sentada no chão perto da cama de meu filho mais velho, José Antônio, com 11 anos de idade. Os outros dois, Rosa Maria com cinco anos e Carlos Eduardo com três, dormiam sorrindo um sono inocente e justo.
A manhã do dia seguinte raiou sobre a casa branca da antiga Rua Arlindo com muita intensidade, no mesmo pátio e no mesmo jardim. A casa era a mesma. A rua era a mesma. A cidade era a mesma. Mas os moradores daquela casa, daquela rua, daquela cidade, já não eram os mesmos. Um poder ambicioso e brutal tinha estendido seu braço forte e cruel, esmagando sonhos, esperanças e perspectivas, jogando tudo em futuro incerto. As noites sucederam aos dias de trabalho, sobressaltos, perdas e amarguras. Muitas vigílias, muito susto.
Inesquecível a noite de 31 de março de 1964 e suas consequências. À sombra do que chamaram de "revolução democrática", os dramas e fatos aconteceram marcando vidas, substituindo sentimentos, abrindo atalhos longe do que deveria ser a entrada principal.Havia um outro tipo de poder no ar, que eu não conhecia e com o qual nunca tinha privado. Um poder que me dava medo, susto, que tornava minha casa centro de procura, de buscas, de questionamentos e de prisões... Um poder que ultrapassou a luminosidade da manhã e tornou-se noite negra de pavor e sofrimentos.
Colaboração de Terezinha Irigaray, primeira-dama da Capital em 31 de março de 1964. Eleita a deputada estadual mais votada no RS e no Brasil em 1966, a professora e advogada não conseguiu cumprir todo o mandato. Dois anos depois de assumir, assim como seu ex-marido Sereno Chaise, em 1964, também ela foi cassada pelo regime militar. Em 1982, foi eleita vereadora em Porto Alegre.