Um encontro frutífero ocorreu em um sarau com jovens cantoras e musicistas realizado em Porto Alegre no Dia da Mulher do ano passado. Convidadas a mostrarem seus talentos, Clarissa Ferreira (voz, violino, ukulele e eletrônicos), Emily Borghetti (voz, dança, castanholas e bombo leguero), Giovana Mottini (voz, guitarra e violão), Morena Bauler (voz, teclado, flauta) e Thays Prado (voz, contrabaixo e bombo leguero) descobriram afinidades que prometiam mais do que a breve apresentação naquele 8 de março de 2018.
Foi o início do grupo As Tubas, com um trabalho marcado por reflexões em canto e música sobre uma sociedade que sufoca tudo o que gira em torno do feminino. Assim, não é exagero dizer que cada show do coletivo se transforma em um espetáculo de celebração à mulher, com direito a dança, prosa e poesia. Duas dessas apresentações podem ser vistas neste sábado e domingo, às 20h, na Sala Álvaro Moreyra (Av. Erico Verissimo, 307).
Em um ano circulando pelos palcos da Capital e com destaque no festival Pira Rural, o grupo ganhou consistência. Seguiu com o experimentalismo da noite no sarau, em que houve uma mistura de diferentes gêneros e expressões artísticas — no palco, enquanto uma integrante dança, outra recita poesia e as demais acompanham com os instrumentos. Também incluíram músicas próprias no repertório, provando que têm identidade.
— No início, cada uma trazia o que tinha. Hoje, é uma construção conjunta. Todo mundo se acompanha e as músicas são arranjadas para todas — diz Emily Borghetti, 29 anos, que leva ao espetáculo das Tubas seus dotes de canto, percussão e dança flamenca, talentos que herdou dos pais, o músico Renato Borghetti e a dançarina Cadica Costa.
O show passeia por momentos ora densos, em que dão voz às dores e opressões da mulher, ora brincalhões e provocativos. A atmosfera tensa dá as caras logo no início, quando fazem uma espécie de manifesto com a expressão “vou repetir até que me escutem”, reproduzida em proposital desarmonia de vozes. O questionamento surge em Manifesto Líquido, composta por Clarissa Ferreira, que fala sobre o machismo na cultura gaúcha e o “ingênuo protótipo campesina”. Pelos Pelôs, de Thays Prado, passa por uma das reivindicações mais anedóticas da pauta feminista, mas não menos importante.
— As pessoas se comovem muito. Não é um espetáculo para quem é feminista, é para todo mundo. Muita gente vai no show e diz: “Bah, tenho uma amiga que precisa ouvir isso” — diz Emily.
Poemas musicados formam novo show
Como um agrado ao séquito de admiradores conquistado em pouco tempo de carreira, As Tubas apresentarão um espetáculo novo na Sala Álvaro Moreyra: serão duas noites dedicadas a reinterpretar Mugido, livro de poemas da gaúcha Marília Floôr Kosby (Garupa, 2017) sobre a vida patriarcal no campo. Os textos abordam, sob a perspectiva feminina, as lides da terra e a dominação da natureza pelo macho e aqui, ensaiam uma curiosa empatia entre a mulher e as fêmeas dos animais.
— Vamos trazer músicas que falam sobre a mulher selvagem, a ancestralidade, a consciência sobre nossa natureza, do universo agropastoril que excluiu as mulheres. Durante muito tempo a música regional esteve na boca dos homens, não das mulheres. Se apropriar da temática em relação à regionalidade é uma coisa nova — diz Clarissa.
Nesse novo espetáculo, as vestes pretas do show tradicional serão substituídas por saias e vestidos em tons terrosos, e os instrumentos de metais darão espaço aos de madeira — Clarissa, por exemplo, empunha uma rabeca, além do violino. Tudo para alcançar uma atmosfera bucólica e pastoril, em que se relembra a exclusão da mulher, mas também sua conexão com a natureza.
Da concepção ao nome do grupo, que faz referência tanto ao instrumento de sonoridade robusta quanto aos órgãos reprodutores da mulher, As Tubas seguem ao pé da letra as motivações do feminismo. Algumas integrantes encararam como desafio desenvolver para espetáculo habilidades que não tinham antes. Cantora desde pequena, Giovana Mottini chamou para si a missão de aprender a tocar violão e guitarra. Thays Prado estreará no contrabaixo e no bombo leguero nas noites de sábado e domingo.
— A gente busca autonomia para não precisar de um cara para nos dirigir ou fazer nossos arranjos. Todas estão no movimento de criarem sua autonomia profissional na música — diz Clarissa, que compõe, faz arranjo, canta, toca, declama, produz o grupo e pesquisa sobre a música regionalista.
As Tubas cantam “Mugido”
- Sábado (25) e domingo (26), às 20h
- Sala Álvaro Moreyra do Centro Municipal de Cultura (Av. Erico Verissimo, 307)
- Ingressos a R$ 30 no link bit.ly/astubas e a R$ 40 na hora