O Rio Grande do Sul vive uma peculiaridade em termos de saúde pública, a bandeira preta que na realidade é vermelha. Conforme o sistema de distanciamento controlado adotado pelo governo estadual, as regiões de Pelotas e Bagé deveriam aderir a partir desta terça-feira a procedimentos contra o risco altíssimo de disseminação da covid-19 – entre eles, restaurantes só com telentrega e 25% da equipe trabalhando, comércio não essencial fechado. Mas não é isso que aconteceu. Preocupados em evitar a quebradeira das lojas e o encalhe do estoque às vésperas do Natal, os prefeitos desses municípios da Metade Sul adotaram na prática a bandeira vermelha. Está tudo aberto, embora com precauções sanitárias e menos gente para atender.
Os prefeitos contam com a benção do governador Eduardo Leite, que permitiu que a bandeira preta (imposta pelo governo estadual) virasse vermelha, caso os municípios assim decidissem. E foi o que aconteceu. Pelotas amanheceu com ruas cheias e comércio bastante frequentado, após quatro dias de fechamento total, em razão de uma bandeira própria adotada pela prefeita Paula Mascarenhas. A precaução foi tomada após os altos índices de internações e letalidade causadas por coronavírus, de uma quinzena para cá. Esse, que é o maior município da Metade Sul, já registrou 210 mortes.
— Vivemos o pior momento da pandemia. As UTIs estão praticamente lotadas. A média era de 50 infectados por dia, agora são mais de 200. Foi por isso que apoiamos essa pausa de quatro dias – diz o infectologista e reitor da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), Pedro Hallal.
O reitor apoia o retorno do comércio, desde que com horário ampliado (para evitar aglomerações) e rígidas precauções sanitárias. Foi exatamente isso que a prefeita decidiu. Ela acaba de anunciar que as lojas, bares e restaurantes poderão ficar abertos, de terça a sábado, entre 6h e 23h, com acesso do público até as 22h. A utilização de academias em condomínios, bem como de piscinas, é autorizada mediante agendamento.
Durante a live, a prefeita foi bastante criticada por internautas, sobretudo pelo relaxamento das regras. Foi uma espécie de rendição aos apelos do comércio, desesperado com o fechamento. Entre a quinta-feira (10) e a manhã desta terça-feira (15), os pelotenses vivenciaram algo próximo ao lockdown. Só farmácias, supermercados e postos de gasolina ficaram abertos (esses, sem loja de conveniência). Foi proibida permanência em praias e parques. O presidente do Sindilojas pelotense, Renzo Antonioli (dono de lojas de roupas), resolveu descansar numa casa no Laranjal e recebeu domingo telefonema de um amigo, aflito:
— Tchê, tu tens uma carne em casa? Tentei em tudo que é lugar, não encontrei — recorda Renzo, usando as palavras do amigo.
É que os supermercados e açougues fecharam no domingo, assim como as mais de 2,7 mil lojas do município.
Renzo acha que a chave do problema está em ampliar leitos de UTI.
— Recomendamos cuidados, respeitamos regras, mas não podemos pagar pela falta de vagas hospitalares — pondera.
Os apelos dos comerciantes foram atendidos nesta terça-feira (15), faltando nove dias para o Natal. As principais ruas de Pelotas se encheram de gente. O comércio também teve boa frequência de clientes, embora sem lotar. Em uma live pelas redes sociais, a prefeita Paula Mascarenhas explicou porque decidiu flexibilizar as regras. Ela disse que há expectativa de abertura de 10 novas vagas de UTI e, com ampliação de horários no comércio, menos aglomerações. Mesmo assim, foi muito criticada nas redes e respondeu.
— Renovo o apelo para que não se aglomerem, não ocupem espaços públicos. Ou vamos prejudicar a todos com novo fechamento.
Lojas abertas até 20 horas em Bagé
Bagé, a Rainha da Fronteira, registrou a 42ª morte por covid-19 nesta terça-feira (15). Pelas regras da bandeira preta, imposta pelo governo estadual, o município deveria fechar o comércio não essencial. Mas manteve ele aberto, graças ao sistema de cogestão regional. A associação de prefeitos da Zona Sul decidiu, ainda no sábado, que as lojas manteriam portas abertas. E foi o que aconteceu.
Menos ousados que seus colegas de Pelotas, os lojistas bageenses decidiram manter atividades apenas até 20 horas. Contam com apoio total do prefeito Divaldo Lara, que cogitou ingressar com mandado de segurança para manter o comércio aberto. Não foi preciso, ante a flexibilização de regras adotada pelo governo estadual.
O Coordenador Regional de Saúde substituto, Carlos Magno Cesarino, espera que se cumpra a promessa do governo estadual de abrir mais vagas de UTI em Bagé. Ele distribuiu alerta à população sobre a necessidade de manter distanciamento e ressaltou que não é o mesmo de lockdown.
Presidente do Sindilojas bageense, Nerildo Garcia Lacerda comemora a manutenção da abertura do comércio. Dono de um brechó, ele está com dificuldades de vendas e lembra que o município tem 1,8 mil lojas de pequeno, médio e grande porte.
— Se ficar fechado, como paga o 13º salário? — alerta.
Proprietária de um hotel e presidente da Câmara de Dirigentes Logistas de Bagé, Vórgia Obino diz que a cidade não aguenta mais manter as restrições. Ela está com 30% da capacidade do hotel ocupada, como mandam as regras.
— Não fosse a pandemia, estava quase tudo ocupado. Entendo que é preciso cautela, claro. Mas creio que, espaçando mesas (no nosso caso) e horários (no caso das lojas), é possível flexibilizar. Ou a cidade vai quebrar — conclui.