- Google analisou dados anônimos de celulares para descobrir como está a mobilidade das pessoas em relação a transporte público, parques, lazer, farmácias, mercados, trabalho e residência
- Em dois dos seis indicadores, Brasil está na última posição em comparação a países da América Latina
- Nos outros quatro, país está nas últimas posições, o que sugere que brasileiros têm menor adesão às medidas de distanciamento social
O Brasil tem alguns dos piores indicadores de distanciamento social da América Latina, mostra relatório de mobilidade do Google divulgado na última quarta-feira (15). A queda na busca por transporte público foi de 52%, a mais baixa da região – no topo da lista, a busca por ônibus, metrô e trem nas Bahamas caiu em 95%. Na Argentina, a redução foi de 67%.
O deslocamento para mercados e farmácias no Brasil é, também, o mais alto da América Latina, com redução de apenas 5% – na Bolívia, a queda foi 13 vezes maior e, na Argentina, sete vezes.
A permanência nas residências tem seu índice de crescimento mais alto no Panamá (45%). Quase três vezes menor do que isso, o Brasil subiu 16% – segunda taxa mais baixa da região. Na Argentina, cresceu 27%, e no Chile, 26%.
A conclusão é de análise da geolocalização de dados anônimos de celulares feita pelo Google para verificar a adesão ao distanciamento social no mundo. A empresa de tecnologia verificou deslocamentos para locais rotineiros entre 29 de fevereiro e 11 de abril (último sábado), na comparação às atividades entre 3 de janeiro e 6 de fevereiro.
A empresa de tecnologia se debruçou também sobre dados de mobilidade para local de trabalho, parques e espaços públicos (o que inclui praças, praias e marinas) e lazer (restaurantes, shoppings, cafés, cinemas, museus, livrarias e teatros).
Em todos os seis indicadores, o Brasil está nas últimas posições da América Latina, o que sugere que a população cumpre menos as recomendações de ficar em casa. Segundo a Universidade John Hopkins, somos o 11º país do mundo com mais casos (33,7 mil) e mortes (2,1 mil).
A procura por parques, praças e praias caiu em 59% – a queda é grande, mas é a quinta mais baixa do continente. Na Argentina, foi de 80% e no Chile, de 74%.
Cerca de 67% dos brasileiros deixaram de ir a locais de lazer, o quarto pior indicador da América Latina. Estamos à frente apenas de Jamaica, Nicarágua e Haiti.
Já os trajetos para o trabalho caíram em 30%, a segunda pior taxa da América Latina, melhor apenas do que no Haiti, onde houve queda de 26%. No topo da lista está o Panamá, com queda de 84%, onde o governo tomou uma das atitudes mais radicais da região: proíbe, desde 1º de abril, que homens e mulheres saiam de casa no mesmo dia. Deslocamentos só podem ser feitos para emergências e, no domingo, está proibido ir para a rua. Há mais de 4 mil casos e 109 mortes.
Discursos sobre as políticas de isolamento
O presidente Jair Bolsonaro vem menosprezando a força do coronavírus desde antes do primeiro caso ser confirmado no país, em 26 de fevereiro. Após declarações em rede nacional reduzindo a gravidade da doença, governadores de todo o país informaram que caiu a adesão ao isolamento em casa.
Os embates de Bolsonaro culminaram na queda de Luiz Henrique Mandetta como ministro da Saúde nesta quinta-feira (16). Ainda não se sabe qual será a postura do novo titular da pasta, Nelson Teich – ele já declarou ser a favor do isolamento horizontal, mas também prometeu estar alinhado ao presidente, que pede flexibilizações da medida.
Ao lado de Bolsonaro, poucos líderes latino-americanos menosprezaram o coronavírus. Um deles foi Andrés Manuel López Obrador, presidente do México, que pediu para a população manter a vida normal e seguir se abraçando e beijando quando o país já tinha mais de 300 casos.
Agora, o México também está nos últimos lugares nos indicadores de adesão ao distanciamento – a queda nos deslocamentos a mercados e farmácias foi de apenas 26%. López Obrador, no entanto, mudou de atitude: cancelou aulas e atividades do governo federal não essenciais e passou a pedir para os mexicanos ficarem em casa. Já são mais de 6,2 mil infectados e 486 vítimas fatais.
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, também não confere muita importância à covid-19, e seu país tem alguns dos piores indicadores de adesão ao isolamento social da América Latina, junto com o Brasil.
Ortega simplesmente desapareceu da vida pública no último mês (retornou apenas nesta semana) e não impôs nenhuma medida de restrição social à população. A Nicarágua teria nove contaminados e uma morte, mas a comunidade médica desconfia dos números ao compará-los com países vizinhos – Honduras tem 426 caos e 35 vítimas fatais, enquanto a Costa Rica tem 626 infectados e quatro óbitos.
Entre os países que mais aderiram às medidas de restrição social, estão as Bahamas, Bolívia, Equador e Panamá.
Nas Bahamas, o arquipélago fechou as fronteiras após o primeiro caso confirmado. O primeiro-ministro Hubert Minnis decretou distanciamento social para todos que não atuem em trabalhos essenciais. Mercados e praias foram fechados e nenhum carro pode trafegar no país de cerca de 400 mil habitantes. Há 53 infecções e oito vítimas fatais.
No Equador, onde a queda na busca por transporte público foi de 87%, há toque de recolher após a epidemia ficar fora de controle na cidade de Guayaquil: houve colapso do sistema de saúde seguido do sistema funerário, levando famílias a passar vários dias com os corpos em casa antes de o governo ativar uma força militar e policial para recolher os cadáveres. O país tem, até esta sexta-feira (17), 8,2 mil casos e mais de 400 mortes.
A Bolívia está de quarentena desde 22 de março até o fim de abril e registra, até o momento, 465 casos e 31 mortes. O isolamento começou com um toque de recolher noturno e horário de trabalho limitado a cinco horas, mas depois se transformou em ordem de fechamento total obrigatório dos comércios – somente bancos, farmácias e mercados operam algumas horas por dia. A grande adesão ao isolamento social ocorre após certa humildade do governo, que admitiu que o país não tem sistema de saúde capaz de enfrentar a pandemia e que a resposta possível é a população ficar em casa.
Na América Latina, o Brasil é o país com mais casos da doença, seguido do Peru, com 12,4 mil infectados e 274 mortes. O país vizinho, no entanto, tem indicadores de isolamento social melhores do que os do Brasil – a permanência na residência é mais do que o dobro a queda nas idas a parques caiu 23 pontos percentuais a mais.