
Não interessa se é pobre ou rico, feio ou bonito, alto ou baixo. Independentemente de gênero ou etnia. É inevitável: todo mundo faz. Se não estiver fazendo, procure um médico. É uma necessidade humana básica.
Mas, convenhamos, ninguém celebra esse ato como os catalães. Ainda mais como um símbolo de Natal. Só que, para além de dezembro, o caganer chama a atenção de turistas em Barcelona o ano todo.
Trata-se de um boneco de camponês vestindo calças pretas, camisa branca, faixa vermelha na cintura e um típico chapéu catalão vermelho — o barrete. Só que essa figura está sempre agachada, com as calças arriadas, defecando. Essa representação também costuma ser acompanhada de fezes, que ela supostamente expeliu.
O boneco marca presença no presépio catalão. Imagine que ao lado de Maria e José, do menino Jesus na manjedoura e dos animaizinhos, quem sabe também uns reis magos, há aquele cidadão que parece não ter conseguido chegar a tempo no banheiro. Pois é uma tradição secular.
Estima-se que o caganer tenha surgido entre os séculos 17 e 18, em uma época caracterizada pelo realismo extremo nas artes. Mas já diria um jocoso dito popular: "Com fezes se aduba a vida". Aliás, é só lembrar da superstição brasileira de que pisar acidentalmente em excrementos pode significar ganhos financeiros.
Logo, o boneco passou a ser visto como algo positivo. Afinal, usa-se fezes no fecundo da terra. A defecação do caganer passou a, simbolicamente, fertilizar a terra para o ano seguinte. Representa a boa sorte, a alegria, a saúde e a fortuna do lar. Há ainda uma crença de que se o rapazinho não for colocado no presépio ou na árvore de Natal, trará má sorte - pouco abusivo ele.
Até Luis Suárez virou modelo

O caganer é, normalmente, feito de argila e pintado à mão. Com o tempo, sua representação se transformou. Não era mais apenas o camponês fazendo suas necessidades, mas também personalidades conhecidas: jogadores de futebol, estrelas de Hollywood, políticos, músicos, personagens da cultura pop etc. Converteu-se numa honra catalã ser transformado em caganer, como se fosse um status de ser oficialmente uma celebridade.
Teve até jogador do Grêmio que já foi ilustrado realizando o número dois. Em 2015, enquanto era atacante do Barcelona, Luis Suárez virou caganer. Pode ter dado sorte: em sua passagem pelo clube catalão, até 2020, o atacante fez 198 gols em 283 jogos. Aliás, a foto do atleta posando sorridente ao lado de seu boneco estampa pôsteres nas lojas especializadas.
Com preços que giram entre 5 e 50 euros (varia conforme o tamanho), os bonecos defecantes e suas adaptações podem ser comprados nas lojas especializadas da Caganer.com, que tem cinco estabelecimentos só em Barcelona, além de realizar vendas online. Segundo reportagem da BBC, a franquia tem expectativas de vendas anuais de mais de 30 mil unidades.
Segundo Marc Alos Pla, CEO da Caganer.com, pouco a pouco, os empresários se deram conta que as pessoas gostavam e colecionavam essas peças. A empresa começou a dar a eles formas de profissões, até que os rostos apareceram - e as vendas explodiram.
— Tem sido um produto muito procurado, que sempre vai bem. Pode ser um presente quando se quer homenagear alguém, sendo feito personalizado. É também um universo onde as pessoas podem fazer coleções — diz o empresário.

Contudo, o barato mesmo é presenciar ao vivo todos aqueles caganers enfileirados. Essas lojas são irresistíveis: é comum ver turistas se divertindo com as diferentes representações de personalidades em situação, digamos, tão humana. Também é constante se deparar com turistas posando para fotos ao lado dos bonecões de dois metros, que ficam na frente dos estabelecimentos, imitando o gesto de evacuação.
— É um dos poucos produtos que as pessoas compram rindo. O que se vê nas lojas é bom humor. Estão comprando um personagem que gostam e que está fazendo uma coisa desenfadada — aponta Pla.
Parece tudo muito escatológico ou grosseiro, mas o caganer não é nada ofensivo. Pelo contrário, é uma tradição até inocente. Talvez um dos motivos que deslumbrem turistas e catalães nas representações do boneco seja o fato dela subverter as pessoas a uma igualdade proporcionada por um ato natural.
* O repórter viajou à convite da Freixenet Brasil