Quem sai de Porto Alegre e Região Metropolitana rumo às superturísticas Gramado e Canela certamente já esticou os olhos para observar as paisagens verdejantes e repletas de plátanos do trajeto. Seja indo pela BR-116 ou pela RS-020, flanar pelos municípios do “pé” da Serra Gaúcha tem chamado a atenção de cada vez mais gaúchos, que encontraram na região possibilidades mais próximas de casa – e muitas vezes mais baratas – de fazer passeios de um ou dois dias sem aglomeração, que unem belezas naturais, boa gastronomia e cultura.
A demanda por lugares menos movimentados cresceu durante a pandemia, conforme o secretário estadual de Turismo, Ronaldo Santini, e proporcionou que os municípios atraíssem turistas que, antes, viajavam para Santa Catarina ou Estados do Nordeste. Para manter o interesse dessa população, a Secretaria Estadual de Turismo estimula que os municípios qualifiquem o atendimento ao público e busquem despertar o empreendedorismo local e regional.
– É muito difícil uma cidade que está iniciando turisticamente ter atrações para segurar o turista por dois dias. Por isso, é importante unir esforços, porque todos ganham com isso. Dá para trabalhar a questão gastronômica em uma cidade, hospedagem na outra, cicloturismo na outra – exemplifica o secretário.
Estruturados desde 2019 com o nome de Vale Germânico, nove municípios do Vale do Sinos têm investido justamente na união de esforços para o turismo. As cidades têm em comum a forte colonização alemã e uma paisagem bucólica privilegiada. De resto, são plurais e apresentam vocações diversas entre si.
– Nosso trabalho é organizar tudo dentro de rotas, que podem ser acessadas no site do Vale Germânico. Mas o turista tem liberdade para escolher por conta própria aonde e quando quer ir – relata o coordenador de turismo do Vale Germânico, Deivid Schu.
O grupo já estruturou os Caminhos das Cervejarias, com informações sobre 22 estabelecimentos da região, e os Caminhos da Contemplação, que indicam 28 igrejas, templos e santuários para visitar nos municípios. Também está sendo montada uma rota com localidade rurais. O próximo passo é firmar parcerias com operadoras de turismo, que criem roteiros nas cidades.
História e casas enxaimel
No início da subida para a Serra, pela BR-116, uma rótula dá o sinal de que se chegou a Ivoti. A cidade foi fundada oficialmente em 1964, mas seus principais pontos turísticos remontam ao início do século 19, quando os primeiros imigrantes alemães se fixaram na região. Todos os espaços têm entrada gratuita.
Muitos gaúchos visitam o local para conferir o Núcleo de Casas Enxaimel, ou, como chamam os moradores, Buraco do Diabo, devido a lendas sobre os animais que habitavam o local no passado. Nos casarões antigos, hoje, estão instalados os Departamentos de Turismo e de Cultura, o Museu Claudio Oscar Becker, a Casa do Artesão e o Armazém da Feira Colonial – feira essa que acontece no segundo e no terceiro domingo de cada mês. Em uma das casas, que replica o enxaimel, funciona uma cervejaria. Enxaimel é uma técnica de construção com estrutura aparente de madeira, fixada com encaixes e pregos de pau, tendo as paredes preenchidas com barro e pedras, muito comum na Alemanha.
Para chegar ao Núcleo, o turista passa pela Ponte do Imperador, construída em pedra talhada, entre 1857 e 1864, e que recebe o nome em homenagem a Dom Pedro II, que mandou dinheiro da Coroa para a obra. A estrutura é um patrimônio histórico nacional. Para quem quiser ver tudo isso de longe, o Belvedere proporciona uma vista panorâmica da localidade.
– As pessoas buscam lugares em meio à natureza, com lazer em área aberta, para aproveitar com tranquilidade e o distanciamento necessário. Muitos de nossos turistas moram em apartamento e, com a pandemia, sentem a necessidade de buscar esses espaços – destaca Raiama Trenkel, diretora de Turismo de Ivoti.
Uma particularidade do município é a colonização japonesa, iniciada em 1966. Desde 2010, os imigrantes mantêm o Memorial da Colônia Japonesa, dedicado a preservar a história e a cultura japonesa em Ivoti. O lugar tem um jardim e um laguinho. Dentro, expõe fotografias, objetos e roupas da comunidade.
Patrimônio cultural material e imaterial
Passando Ivoti, Dois Irmãos fica do lado direito para quem sobe a BR-116. O município também teve colonização alemã na primeira leva dos imigrantes e até hoje tem construções feitas na época, como a Ponte de Pedra, de 1855, a Antiga Igreja Matriz de São Miguel, de 1880, e a Igreja Evangélica, de 1855. Apesar dos atrativos históricos, o prefeito Jerri Adriani Meneghetti diz que a cidade descobriu seu potencial turístico há pouco tempo.
– Nossa região sempre foi muito focada na indústria e deixou de olhar para esse viés da beleza, dos prédios históricos, do patrimônio cultural material e imaterial. Temos uma riqueza cultural que acabava só sendo consumida pelos próprios moradores, então nos unimos a municípios vizinhos para mostrar essa beleza toda – relata Meneghetti.
Lá, muitos visitantes procuram restaurantes de comida típica alemã, cervejarias e pontos turísticos como o Parque Municipal Romeo Benício Wolf. Conhecido como Parcão, este último conta com uma ampla área verde, dois açudes, ciclovia e uma escadaria com uma arte em mosaico, que forma a imagem de um ipê-amarelo, flor símbolo da cidade. O lugar sedia muitas atividades artísticas e culturais de Dois Irmãos.
Deste sábado (25) até quarta-feira (29) ocorrerá no município uma das festas mais tradicionais do Estado – o Kerb de São Miguel. Diz a lenda que após quase se afogarem em um naufrágio no Canal da Mancha, os imigrantes prometeram promover anualmente o kerb, para comemorar a sobrevivência. O evento chega à sua 192ª edição sem aglomerações, mas com desfile temático, distribuição de spritzbier (bebida gaseificada de limão e gengibre, típica alemã) e procissão religiosa.
Cidade dos ateliês
Mais para cima está Morro Reuter, que também tem construções do século 19, mas foca o turismo em outros três pontos, segundo a secretária municipal de Turismo, Sônia Feldmann – as belezas naturais, a gastronomia e a arte. A gestora tem se engajado em desenvolver todos os pontos, por meio de elaboração de rotas turísticas.
– Fizemos um levantamento e descobrimos que as pessoas vêm para cá pelos nossos restaurantes e, depois, querem ficar mais tempo e conhecer as atrações da cidade. Passamos a investir no turismo das artes e nas belezas naturais – cita Sônia.
A cidade concentra uma quantidade expressiva de artistas plásticos, que montaram ali ateliês e até um parque com suas obras. Tem para todos os gostos: pintura, cerâmica, esculturas, mosaicos, xilogravuras, entre outros. Os espaços culturais se misturam com a exuberância dos morros verdejantes. Uma plantação de lavandas com 30 mil pés da flor símbolo da cidade também tem chamado a atenção dos turistas.
Um desafio para o município é desenvolver o setor hoteleiro. Hoje, não há hotéis em Morro Reuter – quem decide se hospedar na cidade, costuma alugar espaços diretamente com proprietários ou por aplicativos.
A adrenalina do rafting
Um dos principais destinos de quem vai para a Serra pela RS-020, e não pela BR-116, é Três Coroas. Ao contrário de outras cidades da região, não é de hoje que Três Coroas se consolidou como uma cidade turística, mas para segmentos bem específicos – normalmente é procurada por quem quer a aventura de esportes radicais como o rafting e o rapel ou a paz do Centro Budista.
– Nossos parques de aventura oferecem experiências como o rafting, além de rapel, tirolesa, arvorismo, tiro com arco e flecha, paintball, tudo em meio à natureza, com infraestrutura e segurança – relata o diretor de Turismo de Três Coroas, Cristian Krummenauer.
Aproveitando o interesse dos turistas em esportes, a cidade aposta na implementação de rotas de cicloturismo e caminhadas. A prefeitura traçou trilhas saindo do Centro de Três Coroas, disponíveis nos aplicativos Strava e Relive.
O Centro Budista está fechado desde o início da pandemia, sem previsão de reabertura. Entretanto, quem quiser sentir um clima parecido pode visitar o Espaço Tibet. O lugar é um restaurante tibetano e tem um grande jardim repleto de flores e recantos com decoração oriental.
Comida e natureza
Para aliviar o estresse da rotina puxada do hospital, o casal Roberta de Bitencourt Santanna, de 33 anos, e João Paulo Souza da Costa, de 36 anos, tenta aproveitar as brechas entre um plantão e outro e curtir passeios em meio à natureza. Ambos são técnicos de enfermagem, moram em São Leopoldo e escolheram o Caminho das Serpentes Encantadas, em Morro Reuter, para passar a tarde do último sábado (18). O lugar foi criado pela artista plástica Cláudia Sperb. Deixaram a Região Metropolitana às 14h e 40 minutos depois já estavam circulando pela galeria de arte a céu aberto, batendo papo e tomando chimarrão.
– Viemos passar a tarde, fazer uma coisa diferente, pegar ar puro e sair da cidade. Somos linha de frente da covid e precisamos recarregar as energias para manter o fluxo da semana, faz muita diferença – conta Roberta.
Ela e o namorado já fizeram outros passeios em cidades próximas, como Picada Café e Dois Irmãos. O casal pretende manter esses roteiros curtos para fugir das aglomerações de Gramado e Canela:
– Esses lugares estão perto da nossa casa e muita gente não sabe. São perfeitos para um bate e volta, um chimarrão, uma tarde legal, sabe? A gente superindica para desopilar, estamos adorando.
Guia do Caminho das Serpentes Encantadas, Bernardo Ternus de Abreu diz que a maioria dos turistas vem de Porto Alegre e cidades próximas para aproveitar o dia. O espaço abriu há duas décadas e recebe o público nos finais de semana e aos feriados. De segunda a sexta, as visitas ocorrem por agendamento.
– Por ser a céu aberto, o parque é uma boa alternativa em tempos de pandemia para fazer piquenique, tomar chimarrão. Sempre temos muito movimento de grupos e famílias. Muitos acabam descobrindo o parque nas redes sociais, ou até mesmo recebendo a indicação quando vão almoçar aqui perto – diz Bernardo.
Famoso na região, o Café Colonial Walachay fica a menos de dois quilômetros do Caminho das Serpentes Encantadas. Ali, a boa mesa faz sucesso, com a fartura típica dos cafés coloniais, mas não é só isso: o espaço é um convite para aproveitar a natureza. Há um deck com uma bela vista, redes de descanso para o turista e por aí vai. No último sábado, Margrid Stiegemeier, 54 anos, e a filha Márjori Dornelles, 28, decidiram incluir o local em seu roteiro – e não se arrependeram. As duas saíram de Montenegro às 9h, pararam na Cascata dos Bugres, em Santa Maria do Herval e, logo após, rumaram ao Walachay para almoçar.
– Faz pouco tempo que começamos a fazer esses roteiros curtos e estamos gostando. Tenho procurado outras alternativas para além de Gramado e Canela, mais próximas, para passar o dia. É muito legal aqui e não tem muita aglomeração, é bastante espaço a céu aberto, amplo, nos sentimos mais seguras – avalia Margrid.
Outra família que contemplava a vista era a do funcionário público Leonardo Flores, de 38 anos. Ele e a mãe, Maria Eunice, saíram de Porto Alegre às 10h, pararam em Novo Hamburgo para pegar a cunhada, Emili, e a sobrinha, Manuela, e foram a Morro Reuter. Enquanto esperavam uma mesa no restaurante, sentaram em cadeiras no deck, pés para cima e celular em punho para registrar a bela vista.
– Saímos de Porto Alegre rapidinho, vamos fazer um passeio legal e não precisamos gastar com hospedagem. É tranquilo e bonito. Não fazemos muito esses roteiros curtos, mas tentamos fazer no fim de semana quando dá – explica Flores.