Quinhentos anos após a morte de Leonardo da Vinci, o Museu do Louvre inaugurou no dia 22 a maior exposição organizada sobre o gênio renascentista. No total, 162 pinturas, desenhos, manuscritos, esculturas e outros objetos foram reunidos após uma pesquisa que durou 10 anos. Apenas 11 dos quase 20 quadros atribuídos ao artista estão presentes, mas todos são valorizados pelas demais obras que as cercam e contribuem para explicar os trabalhos.
— Ele não publicou nada, pintou pouco e seus quadros ficaram inacabados. Mas as pessoas ficam fascinadas. Sua obra é um reflexo de sua vida — resume Vincent Delieuvin, um dos curadores da mostra em exibição em Paris, na França.
A Mona Lisa, sua obra mais célebre e símbolo do Louvre, não faz parte da mostra, mas poderá ser observada na Sala dos Estados, a poucos metros do espaço reservado para a exposição. O visitante, com a ajuda de um capacete, poderá admirar o sorriso enigmático da obra em uma breve montagem de realidade virtual que restaura sua luminosidade inicial, sem o tom amarelado que adquiriu com o passar do tempo.
A retrospectiva foi construída de forma didática e pretende ser uma viagem à rica personalidade do pintor italiano protegido pelos príncipes, já muito famoso e admirado quando estava vivo. Um personagem que sempre foi objeto de lendas, livros e fantasias. Os espetaculares desenhos e os apaixonantes croquis estão entre os destaques, assim como obras de outros artistas renascentistas. Situam o autor em uma época agitada, que passa por Florença, Milão, Mantua, Veneza, Roma e, finalmente, a França.
Graças a uma reflectografia de infravermelho, é possível examinar as diferentes etapas da concepção e elaboração dos quadros. Às vezes, Leonardo trabalhava suas obras durante 15 anos e as deixava inacabadas. Cada pintura é uma história, geralmente com vários significados, símbolos, dúvidas e segredos. Cada gesto, cada dedo significa algo. A expressão dos sorrisos tem mil interpretações.
Na obra São João Batista, por exemplo, o sfumato (técnica que atenua os contornos e os detalhes) faz com que o profeta que anuncia a vinda de Jesus Cristo “saia da escuridão e retorne ao mesmo tempo à sombra uma vez que sua mensagem foi proclamada”, destaca Delieuvin.
Muito exigente, Da Vinci queria colocar a ciência a serviço da pintura para oferecer a visão mais precisa e mais profunda do homem e da natureza. O Louvre insiste que a exposição deseja mostrar que a pintura era essencial e não secundária para Leonardo da Vinci. Que era a culminância visual de suas pesquisas científicas. Leonardo foi um sábio e um gênio, mas também um utópico, um homem com curiosidade por tudo, que buscava uma explicação para a essência da vida, para expressá-la depois, o mais fielmente possível, em um quadro ou desenho.
Múltiplas facetas
Leonardo da Vinci (1452-1519) tinha uma curiosidade insaciável em decifrar o mundo e uma insatisfação que o obrigava a retrabalhar constantemente para estar o mais próximo da realidade. Nascido fora do casamento – um bastardo –, afetivamente infeliz, mas não materialmente (vem de uma família rica da Toscana), Leonardo logo se apaixonou pelas ciências naturais. Foi, talvez, uma maneira de escapar de uma realidade dolorosa, segundo ele próprio analisou.
Assim que se estabeleceu em Florença, descobriu o ateliê do famoso Verrocchio e frequentou os poderosos. Organizava espetáculos extraordinários para os príncipes e sua corte.
Estudou anatomia, botânica, mecânica, astronomia, arquitetura. Queria entender o interior dos fenômenos.
— Tinha um intenso sentimento da efemeridade das coisas. Estimava que os quatro elementos, terra, ar, fogo e água, queriam retornar ao caos inicial — diz o curador Louis Frank.
Ao mesmo tempo em que a ciência o atraía, os temas religiosos da Salvação – em torno da Virgem Maria e de Jesus, por exemplo – o inspiraram profundamente.